Fios e desafios da inteligencia socioemocional. O papel do Educador de Infância

Vera do VALE     

Considerações em torno da competência social em jardim de infância e do papel do educador como gestor de emoções e de comportamento

O conceito de bem-estar tem sido estudado ao longo dos séculos através de várias áreas do conhecimento (filosofia, psicologia, política, antropologia...), daí o poder dizer-se que é um conceito polissémico que por sua vez, abrange outro largo número de conceitos: bem-estar subjectivo, bem-estar psicológico, mental e social, satisfação vital, qualidade de vida, felicidade e estado de espírito.

Situando-nos nas pesquisas mais recentes tomaremos como referencia o bem-estar socioemocional na criança.

Segundo Simeonsson (1994), bem-estar é qualquer actividade ou serviço que promova o desenvolvimento, adaptação e funcionamento da criança, e que contribua para a prevenção de atrasos ou distúrbios. Esta assumpção baseia-se no princípio que as condições associadas à má adaptação podem ser prevenidas. Em sintonia com esta ideia, Albee (1992), defende que para promover o bem-estar das crianças, devemos proporcionar um ambiente estimulador do seu desenvolvimento.

O jardim de infância surge, então, como uma importante estratégia de prevenção ao ajudar as crianças a desenvolver com segurança as suas competências sociais e emocionais. Estas competências incluem a autoconsciência, o controlo dos impulsos, a empatia, a capacidade de escolha, a cooperação, a resolução de conflitos e tornam-se ferramentas-chave quando a criança na adolescência tem que fazer face aos apelos, por exemplo, ao uso de substâncias ou à violência.

No seio de um grupo de crianças as emoções podem ser transmitidas tanto do adulto para a criança, como da criança para o adulto e de criança para criança. Muitos educadores não têm consciência dos sinais aos quais as crianças são mais susceptíveis, muito menos das circunstâncias que provocam respostas emocionais nas crianças. O próprio ambiente físico (estrutura da sala, mobiliário, luz, acústica, ventilação) pode estimular emoções de prazer ou de raiva. A atmosfera da sala, o tom de voz do educador, o barulho, o tamanho do grupo, as informações ou as pistas visuais que o educador transmite também influenciam as crianças na aquisição das emoções.

Por outro lado, as crianças acreditam que o educador sente aquilo que mostra e é no seu comportamento que elas se vão concentrar. Os educadores devem estar despertos para a importância da competência social e dos comportamentos interpessoais como requisito essencial para uma boa adaptação da criança, tanto no presente, como no seu desenvolvimento futuro.

As investigações que têm vindo a ser feitas demonstram que existe uma relação entre a competência social na infância e o posterior desenvolvimento psicológico e académico. As relações interpessoais são a mais importante fonte de gratificação e prazer para a maioria das pessoas de todas as idades, traduzindo-se em solidão e angústia, a incapacidade de iniciar e manter essas relações (Ladd, 1990, cit Katz & MacClellan).

No entanto, há crianças que não conseguem atingir uma competência mínima nas suas relações sociais, ou porque não adquiriam competências, ou porque simplesmente não as conseguem usar com confiança, o que as vai tornar socialmente retraídas ou mesmo rejeitadas.

Um estudo levado a cabo por Corsaro (1985) concluiu que no jardim de infância uma grande percentagem da interacção social que as crianças estabelecem entre si diz respeito à tentativa de entrar em grupos de jogos e resistir à tentativa que outros entrem também, levando a criança a fazer apelo ao uso das suas capacidades de participação e sucesso social.

Mas, há outros comportamentos ligados com a capacidade social e com a aceitação, como seja o dar atenção aos outros, o solicitar informações, ou até o contribuir numa discussão em grupo (Bierman & Furman, 1984; Coie & Krehbiel, 1984; Gottman & Schuler, 1976; Mize & Ladd, 1990; todos cit Katz & MacClellan, 1996).

Algumas crianças entram no jardim de infância desprovidas ou co deficiências neste repertório de capacidades. Por vezes a causa pode encontrar-se ao nível do controlo dos impulsos, que ainda é feita deficientemente, o que leva a que não sejam bem sucedidas nas interações respeitantes à resolução de conflitos.

Outras crianças desconhecem, ou não experienciaram ainda, interacções sociais com pares. Há crianças que têm o seu primeiro relacionamento com outras crianças só no jardim de infância. No entanto outras há que apesar de já terem adquirido determinadas capacidades sociais não as usam com confiança a fim de serem bem sucedidas. Mas a causa pode ficar a dever-se, também, à falta de capacidade de saberem exprimir os seus sentimentos e desejos ou à falta de capacidade de saberem explicar as razões das suas preferências. Por fim, há crianças que são tão dependentes do adulto que interrompem constantemente qualquer brincadeira para pedir ajuda (Katz & MacClellan, 1996).

Todas estas causas podem repercutir-se no comportamento da criança e, deste modo, encontramos crianças que sistematicamente se recusam a cumprir rotinas ou que rejeitam normas do jardim de infância. Estes comportamentos não cooperativos podem, no entanto, ter uma explicação que pode ser exterior à vida em jardim de infância, sintoma de que existe uma perturbação emocional, ou podem derivar de um desajuste entre a própria criança e a instituição pré-escolar.

Algumas das razões que poderemos elencar estão directamente ligadas com a forma de organização e gestão de todo o processo educativo que se desenvolve dentro do jardim de infância. Senão vejamos: o clima que aí é vivido quer seja autoritário, quer seja permissivo, pode levar a comportamentos pouco colaborativos das crianças ou até a manifestações de problemas sociais entre elas; o mesmo se passará em relação às normas. Se a criança não tiver participado na discussão e elaboração das normas elas poderão não ter qualquer significado para ela, levando até à manifestação de comportamentos disruptivos; as próprias actividades podem não ter qualquer relevância para a criança, podem ser tão rotineiras que não despertam qualquer interesse, ou não estarem simplesmente adequadas ao seu nível de desenvolvimento, o que pode gerar perturbações. Podem ainda as transições entre as actividades não serem perceptíveis, o que pode gerar também confusão; outra das razões de peso pode ser encontrada na falta de respeito pelas diferenças individuais.

Mas, o facto de surgirem dificuldades sociais na sala pode também indiciar que as crianças são novas de mais para passarem tão grande número de horas num contexto onde existem mais crianças. Caberá ao educador procurar minimizar o stresse que as crianças possam sentir quando estão em grupos de pares durante muito tempo (Katz & MacClellan, 1996).

ESTUDO

Neste contexto, o objectivo do nosso estudo foi conhecer as estratégias utilizadas pelos educadores de infância na gestão do comportamento das crianças em jardim de infância. Para isso utilizámos o “Questionário de Estratégias do Educador de Infância”, versão portuguesa, adaptada do “Teacher Strategies Questionnaire”, incluído no projecto The Incredible Years da Universidade de Washington.

Este instrumento é uma escala tipo likert e encontra-se dividido em quatro partes: a primeira (A) diz respeito ao registo do comportamento utilizado pelo educador de infância; a segunda (B) tem a ver com a segurança do educador para gerir e controlar os problemas de comportamento na sua sala; a terceira (C) incide nas estratégias específicas de gestão de comportamento utilizado pelo educador, sendo atribuído a cada item uma pontuação para a frequência e outra para a eficácia; na quarta (D) é registada a frequência das interacções com os pais.

Iremos apresentar aqui apenas os resultados dos itens que têm a ver com as partes A e B, respectivamente, “registo do comportamento” (por nós introduzida na versão portuguesa) e “gestão do comportamento” em sala de jardim de infância.

Amostra

A nossa amostra foi constituída por 46 educadores de infância, todos pertencentes ao sexo feminino, daí utilizarmos a expressão “educadora/s”.Tinham idades compreendidas entre os 24 e 62 anos, situando-se a média de idades nos 37.41 (DP=8.61). No que diz respeito ao tempo de serviço ele varia entre os 2 e os 32 anos, situando-se a média nos 13.85. Relativamente ao ano de formação, este varia entre 1968 e 2000, estando a média situada em 1988 (DP=7.82). A maioria das educadoras formou-se em escolas oficiais (n=44; 91.4%). Quanto ao tipo de jardim de infância onde exerciam a sua actividade profissional, 50% pertenciam à rede oficial do Ministério da Educação, 34.8% à rede particular sem fins lucrativos com acordos de participação do Ministério da Solidariedade Social, e apenas 15.2%, exercia a sua actividade em jardins de infância privados com fins lucrativos.

Apresentação e discussão dos dados

Na primeira parte do questionário os educadores eram questionados sobre quem elabora as regras na sua sala.

De acordo com os resultados obtidos verificou-se que a maioria elabora as regras da sua sala de jardim de infância 95.7% (n=44); 73.9% (n=34) envolve as crianças nessa tarefa e apenas 4.3% (n=2) envolve também os pais. Simultaneamente nenhuma considerou envolver a comunidade nesse processo. Uma primeira conclusão é que grande parte dos educadores tem em conta as crianças neste processo. Existe, no entanto, uma ausência de colaboração casa-escola, no que se refere à definição das regras a utilizar no jardim de infância. Esta situação está em desacordo com as Orientações Curriculares definidas pelo Ministério da Educação para a educação pré-escolar, onde no seu artigo 10º, alínea i, da Lei Quadro nº5/97, se diz que se deve incentivar a participação das famílias no processo educativo e estabelecer relações de efectiva colaboração com a comunidade. Os pais são os primeiros e principais educadores das crianças e sendo a educação pré-escolar complementar da acção educativa da família deve haver uma estreita articulação entre jardim de infância e família.

Auscultamos ainda os educadores quanto ao registo do comportamento das crianças e a forma como o fazem. 54.3% (n=25) fazem registo do comportamento, em oposição a 45% (n=21) que não fazem qualquer registo. Dos educadores que fazem registo 30.4% (n=14) envolvem as crianças nessa tarefa, sendo que 26.1 (n=12) das educadoras fazem o registo sozinhas.

Também quanto à forma de registo se encontraram diferenças. Das opções que eram dadas no questionário, 17.4% (n=8) utiliza smilles com expressão alegre ou triste; 4.3% (n=2) utiliza um quadro com cores (vermelho para o mau comportamento e verde para o bom); a última opção era aberta e foi escolhida por 26.1% (n=12) dos educadores. Neste iten encontramos educadores que fazem o registo do comportamento em grelhas e fichas que dizem respeito ao desenvolvimento em geral; outros que utilizam um quadro de símbolos feitos pelas crianças; outros ainda promovem assembléias e reuniões onde são discutidos os comportamentos. Regista-se uma grande variedade nas formas de registo e também criatividade.

A parte B do questionário diz respeito à gestão do comportamento das crianças na sala e questionamos os educadores no sentido de saber até que ponto se sentiam seguros da sua forma de gerir problemas de comportamento na sua sala. As respostas eram cotadas numa escala de likert de 5 pontos, o 1 (muito inseguro) ao 5 (muito seguro). Dos dados obtidos verificou-se que a maioria das educadoras, 65.2% (n=30) se sentem seguras quanto à forma de gerir problemas de comportamento; 28.3% (n=13) sentem-se algo seguras e apenas 6.5% (n=3) se sentem muito seguras na gestão dos problemas de comportamento. De salientar que estes 6.5% são educadoras com maior tempo de serviço. Nenhuma educadora se sente algo insegura ou insegura.

Quando questionados quanto a sua capacidade para controlar futuros problemas de comportamento dentro da sala de jardim de infância, as respostas alteraram-se ligeiramente. A maioria das educadoras respondeu que se sente segura (60.9%, n=28); 32.6% (n=15) respondeu que se sente algo segura, e uma pequeníssima percentagem (2.2%) respondeu que se sente algo insegura. Nenhuma respondeu que se sente muito segura ou muito insegura.

De acordo com os dados obtidos a maioria das educadoras:

- Tem em conta as crianças na elaboração de normas, apesar de não envolverem os pais.

- Sente-se segura das suas capacidades de gestão do comportamento, apesar da sua confiança reduzir um pouco no que se refere ao futuro. Esta pequena discrepância pode dever-se ao possível receio de agravamento da situação algo segura para algo insegura.

Pareceu-nos assim, que reúnem algumas das características inerentes ao “educador positivo” (Posada & Pires 2001), devendo, no entanto, haver uma intervenção no sentido de aumentar o envolvimento dos pais.

Para implementar uma disciplina positiva, é fundamental que o educador se questione acerca das suas práticas educativas, do seu sentido de autoridade, da sua segurança e capacidade de gerir e controlar problemas de comportamento na sua sala, e que reflita inclusivamente, sobre a sua auto-estima.

Assumindo uma postura flexível e dialogante, ajudando as crianças a exprimirem as suas emoções, dando relevância às opiniões das próprias crianças e fomentando momentos de partilha de vivências e experiências, o educador estará a contribuir para a maturação da criança e para a construção do seu controlo interno.

Apresentamos para finalizar algumas das atitudes que deve ter o educador positivo:

Compreende e aceita as razões que a criança manifesta no seu comportamento sem as sancionar, fazendo com que a criança entenda que a sua forma de agir não foi a mais correcta.

Deve ter uma atitude de orientador, indicando o caminho a seguir mas respeitando a liberdade de cada um.

É fundamental que estabeleça limites à liberdade ajudando a criança a desenvolver a capacidade de se colocar no papel do outro.

Deve sugerir soluções alternativas que permitam à criança fazer opções, contribuindo assim para o direito à cidadania.

Ter uma atitude positiva na interacção com as crianças, evitando as acusações e todo o tipo de comportamento vexatório ou que de alguma forma contribua para a sinalização individual de uma criança

O educador deve apresentar alternativas às suas negações além das possíveis explicações, pois ensina também às crianças quando dizer “não”.

É crucial que desde cedo se fomente na criança a capacidade de tomar decisões e assumir as consequências das decisões tomadas.

Proporcionar um clima emocional adequado que permita que as crianças exprimam as suas emoções, ajudando-as também a expressa-las.

O educador deve ser sempre claro e mostrar firmeza (não confundindo com rigidez) e decisão na transmissão de mensagens e preparar as crianças para as transições que ocorrem ao longo da actividade educativa, promovendo também momentos de busca e descoberta por parte das crianças.