“Competências essenciais para o exercício
da profissão de educador de infância”
Paula Neves, Rui Paixão |
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1 - Enquadramento
teórico
A qualidade profissional dos educadores de infância é, muitas vezes, relacionada com as características pessoais e de personalidade destes educadores, em detrimento das competências específicas de âmbito profissional. Estas concepções mais tradicionais são, muito provavelmente, herança de uma concepção de educação de infância identificada como um modelo de cuidados/guarda, onde o importante é, exclusivamente, a qualidade da relação que se estabelece entre o educador e as suas crianças. Actualmente este tipo de visão é questionada com a introdução do conceito de “educare” (Caldwell, 1989) onde a função de guarda é complementada com uma outra função estritamente educativa. Nesta perspectiva as duas dimensões antes referidas são indissociáveis. Cró (1998) considera que as concepções acerca da qualidade dos profissionais de educação de infância podem ser organizadas em torno de três eixos fundamentais: a qualidade ligada a traços característicos da personalidade, a qualidade ligada ao desenvolvimento de competências e a qualidade ligada às características da relação que estabelece, ou seja aos estilos e modos de ensinar. Oliveira-Formosinho (2000) analisa as tarefas a serem desenvolvidas pelo educador para depois considerar as competências essenciais para o exercício da profissão. Assim, o educador tem de executar tarefas tão diversas como o cuidar da criança e do grupo – bem-estar, higiene, segurança -, o educar, sendo esta última tarefa entendida como socialização, como desenvolvimento e como aprendizagem, e o dinamizar a criança (animação infantil). Esta diversidade e riqueza de tarefas levam a que se considere hoje que formar educadores de infância é partilhar um processo de melhoria pessoal, colaborativa e tecnológica, pelo que implica uma capacitação pessoal para além de uma capacitação profissional (Medina Revilla 1993). Ou seja, considera-se que a par de competências profissionais o educador tem também de ter, e de desenvolver, competências pessoais para que possa ser considerado um profissional de qualidade. Estas duas concepções sobre as competências essenciais para o exercício da profissão de educador de infância, concepção tradicional vs. concepção assente também em competências profissionais, continuam de algum modo actuais. De facto, no “espírito” de muitos alunos e profissionais desta área, independentemente da organização dos currículos da formação dos futuros educadores assentar na segunda concepção antes focada, a concepção tradicional continua ter um peso significativo (Coelho & Neves 2000). Com este trabalho procuramos identificar o “peso” relativo e a importância das concepções tradicionais nos alunos e profissionais e os factores que, eventualmente, possam estar associados, no contexto formativo, à alteração/manutenção dessas concepções. 2 - Objectivos do trabalho:
A informação foi recolhida com recurso a um questionário composto de um item aberto. Pedia-se, aos sujeitos, que indicassem as competências essenciais do educador para ser um bom profissional, no máximo de 10, e que as organizassem por ordem de importância. O questionário foi passado a 145 alunos do curso de educação de infância e a 19 profissionais a exercer a profissão há mais de 5 anos. QUADRO IDistribuição da amostra por anos e profissionais
Obtiveram-se 1772 respostas que foram posteriormente sujeitas a uma análise de conteúdo. Esta análise agrupou a totalidade das respostas em 8 categorias ou dimensões.[1] Dimensões identificadas na análise das respostas:
Respostas tipo - conhecimentos de psicologia e de pedagogia, conhecimentos científicos, teóricos.
Respostas tipo - capacidade de promover experiências significativas, saber aplicar as orientações curriculares.
Respostas tipo - gostar do trabalho, gostar de crianças, ter vocação.
Respostas tipo - extrovertido, sentido de humor, meiga, carinhosa, sensível, afectuosa.
Respostas tipo- boa formação moral, honestidade, sentido de justiça, tolerância, humildade. D6- Dimensão de relacionamento interpessoal e comunicação: competências de relacionamento interpessoal, de comunicação, de trabalho em equipa. Respostas tipo - cooperação, capacidade de trabalhar em equipa, capacidade de se relacionar com os pais.
Respostas tipo - metódico, organizado, disponível, espirito crítico, brio profissional.
Respostas tipo- Decidido, assertivo, criativo, inovador, dinâmico. Estas oito categorias foram posteriormente analisadas segundo a sua frequência absoluta e relativa em cada ano lectivo do curso e entre os profissionais estudados. O estudo da frequência absoluta (1º Estudo) refere-se aos valores percentuais das dimensões de competências identificadas em cada um dos diferentes níveis (anos lectivos e profissionais). O estudo da frequência relativa (2º Estudo) refere-se apenas aos valores percentuais das dimensões de competências identificadas como as três mais importantes para o exercício da profissão de educador de infância. 4 – Resultados1º Estudo No Quadro II apresentamos as percentagens absolutas das respostas obtidas nas oito dimensões estudadas, distribuídas pelos 4 anos da formação inicial de educadores de infância e pelos profissionais com, pelo menos, 5 anos de experiência. O número total de respostas obtidas foi de 1772. QUADRO II Percentagem de respostas obtidas em cada categoria nos diferentes anos de formação e entre profissionais
Em termos gráficos, a distribuição destes resultados apresenta o seguinte padrão (cf. Gráfico I). GRÁFICO IDistribuição das respostas obtidas em
cada categoria nos diferentes anos de formação e entre profissionais
Como se constata pela leitura do Gráfico I os alunos do primeiro ano identificam em muito maior quantidade (37,36% das respostas dadas) competências dos educadores que se integram na nossa dimensão 5 (Dimensão de Formação Pessoal, Social e Cidadania) onde se incluem os aspectos ligados à formação geral da pessoa como cidadão, nomeadamente formação moral, bom senso, sentido de justiça, tolerância, humildade. As dimensões que identificam competências de âmbito profissional apresentam, ao contrário da anterior, valores relativamente baixos. A dimensão 8 (Dimensão de Proactividade, onde se incluem os aspectos ligados à iniciativa, dinamismo e criatividade), por exemplo, apenas obteve 13,73% das respostas, isto é, apenas 13,73% das respostas obtidas podem ser categorizadas nesta dimensão. Muito próximo deste valor encontramos a dimensão 4 (relativa aos aspectos afectivos e emocionais ligados a características pessoais não relacionados com a formação académica ou profissional) com 13,18% das respostas. A categoria 3 (Dimensão motivacional onde se incluem os aspectos ligados à vocação e motivação para ser educador) apresenta valores acumulados de 12,8%. A dimensão 1 (formação profissional) e 7 (profissionalismo/zelo profissional) apresentam valores relativamente irrelevantes (1,6% respectivamente para cada uma destas categorias). No segundo ano do curso os valores obtidos, para cada uma destas dimensões, apresentam uma distribuição mais homogénea. A tendência de concentrar as respostas, verificada no primeiro ano, em competências de um determinado tipo diminui substancialmente. No entanto, independentemente desta maior homogeneidade das respostas, verificamos que a categoria 6, relativa ao relacionamento interpessoal e à comunicação, é preferencialmente identificada por estes alunos (28,08% das respostas dadas). A segunda dimensão mais identificada (D5 - Dimensão de Formação Pessoal, Social e Cidadania), com 19,57 % das respostas, corresponde exactamente àquela que mais foi identificada nos alunos do primeiro ano. As restantes dimensões obtiveram respectivamente 17,46 % (D3 - dimensão motivacional), 14,55% (D7 - dimensão de profissionalismo/zelo profissional) e 13,22% (D2 - dimensão das práticas educativas). Estes resultados (encontrados em alunos com, pelo menos, um ano de formação) indiciam uma tomada de consciência da função do educador expressa na maior amplitude das respostas dadas. Note-se, contudo, que a dimensão que engloba os saberes teóricos (D1) continua a ser a menos referida (4,23%) embora o valor percentual se afaste do valor residual dos alunos do primeiro ano (1,6 %). Os alunos do terceiro ano identificam em maior número competências integradas nas seguintes três dimensões: D3 – Dimensão motivacional (24,89%); D2 – Dimensão das práticas educativas (22,53%) e D6 - Dimensão de relacionamento interpessoal e comunicação (18,02%). As restantes dimensões apresentam uma distribuição entre os 7,29% e os 2,36%. A diferenciação clara dos valores entre as dimensões D3, D2, D6 e as restantes pode estar relacionada com o facto de, na altura em que foi recolhida a amostra, os alunos do terceiro ano estarem a preparar-se para o primeiro grande estágio com intervenção prática. De facto D3, D2 e D6 configuram competências do tipo “saber prático”, “relacionamento interpessoal” e “motivacional”, isto é, competências que vão ser testadas nesse estágio. Os alunos do 4º ano identificam essencialmente competências integradas na dimensão de relacionamento interpessoal e comunicação (D6) (26,18%) e na dimensão de formação pessoal, social e cidadania (D5) (21,6%). Os profissionais identificam um conjunto de competências que se integram maioritariamente nas seguintes categorias: - D6- Dimensão de relacionamento interpessoal e comunicação- competências de relacionamento interpessoal, de comunicação, de trabalho em equipa (28,35%) - D5- Dimensão de Formação Pessoal, Social e Cidadania- aspectos ligados a uma formação geral de cidadão, boa formação moral, bom senso (19,15%) 2º Estudo No questionário passado aos sujeitos ao mesmo tempo que era solicitado que identificassem livremente competências essenciais para o exercício da profissão, era pedido que as mesmas fossem hierarquizadas por ordem de importância. Foram consideradas as competências identificadas pelos sujeitos e classificadas nos 3 primeiros lugares dos 10 disponíveis. Posteriormente estas competências foram sujeitas a uma análise de conteúdo e agrupadas nas categorias anteriormente identificadas. De seguida apresentam-se os resultados dessa valorização de competências. Os resultados estão expressos no quadro que apresentamos a seguir (cf. QUADRO III). No Gráfico II apresentamos o padrão dos resultados obtidos para este estudo. QUADRO III: Percentagens das respostas em cada dimensão (dimensões mais valorizadas)
GRÁFICO II: Percentagens das respostas em cada dimensão (dimensões mais valorizadas) No primeiro ano do curso verifica-se que a dimensão mais valorizada (D5) é a dimensão relativa às concepções mais próximas do conceito tradicional, com valores percentuais de 53,52%. A segunda dimensão mais valorizada (D3) apresenta valores muito inferiores aos observados anteriormente (21,1%). De notar ainda que neste primeiro ano há duas dimensões que não são referenciadas, nomeadamente a dimensão D7 e D8. As três dimensões restantes apresentam valores entre 8,45% e 7,04%, respectivamente para as dimensões D6 e D2/D4. No segundo ano a distribuição dos resultados apresenta uma maior dispersão do que a observada no primeiro ano. A dimensão mais valorizada continua a ser a D5. Contudo, os valores percentuais obtidos são substancialmente inferiores àqueles que se observaram no primeiro ano (33,3% contra os 53,52% observados anteriormente). Paralelamente observa-se um aumento do número de respostas na D2, bem como respostas nas D7 e D8 (no primeiro ano estas dimensões não tiveram qualquer expressão). No terceiro ano verifica-se uma mudança no padrão das respostas. Esta mudança consubstancia-se, primordialmente, na alteração da dimensão mais valorizada, nomeadamente na substituição da D5 pela D2. A D2 contabiliza 35,57% das respostas contra apenas 14,42% da D5. As restantes dimensões apresentam também uma distribuição mais homogénea do que a observada nos dois anos anteriores: 13,46% para a D3; 6,73% para a D6 e D8. Finalmente a D4 apresenta uma acumulação de resposta de 5,76% e a D1 4,8%. No quarto ano o padrão volta a modificar-se aproximando-se do padrão encontrado nos profissionais. Assim, a dimensão mais valorizada é novamente a D5 (34,95%) seguindo-se a D8 com 13% das respostas, a D7 com 11,38%, a D3 com 10,56%, a D2 com 9,75%, a D1 com 6,5 % e a D4 com 5,69%. De notar, contudo, a acentuação da distribuição mais homogénea dos valores. Os valores obtidos na população de profissionais apresentam uma distribuição relativamente semelhante à obtida no quarto ano de formação. Os valores distribuem-se de uma forma relativamente homogénea, entre 21,73% e 4,34%. A dimensão mais importante é a D5 com 21,73% das respostas. A dimensão menos valorizada é a D1 com 4,34% das respostas. As restantes dimensões apresentam percentagens relativamente aproximadas: D2 com 14,49%; D4 com 13,04%; D7 com 11,59% e D6 e D8 com 7,24%. 5 - Discussão dos resultados É interessante verificar que as competências identificadas pelos alunos para o exercício da profissão de educador vão sendo diferentes à medida que os alunos progridem no curso, sendo que as concepções dos alunos do 4º ano se aproximam das dos profissionais. No entanto, a evolução não é feita sempre no mesmo sentido. Nos dois primeiros anos nota-se um alargamento do número de competências identificadas. Este alargamento denota uma crescente consciencialização das funções a serem desempenhadas pelo educador. Parece haver uma descoberta do verdadeiro papel do educador de infância no sistema de ensino, pelo que as concepções identificadas prioritariamente como competências de um só tipo (dimensão 5 - formação social e pessoal) são alargadas a outras dimensões. No terceiro ano nota-se uma alteração deste padrão pois a grande maioria das competências identificada está integrada nas categorias dos saberes práticos e da motivação/vocação. É sabido que a altura em que a informação foi recolhida coincidiu com o período de preparação do primeiro grande estágio das alunas pelo que poderá ter influenciado a sua orientação para a identificação de competências nestas dimensões. Relativamente à hierarquização das competências definidas pelos estudantes, como mais importantes, verificamos uma dispersão das mesmas ao longo do curso. Se inicialmente estes estudantes valorizavam apenas um tipo de competências (basicamente as definidas pelas dimensões D5 e D3) ao longo da frequência do curso vão sucessivamente integrando novas competências, indiciando a construção de uma imagem do profissional de educação de infância mais alargada, abrangente e multifacetada. Prova disto é o facto de os alunos do 1º ano nunca valorizarem competências integradas na D7 (Dimensão de Profissionalismo/zelo profissional) e na D8 (Dimensão de Proactividade). Os alunos do 4º ano, ao contrário, contemplam todas as dimensões de uma forma mais equilibrada. Como se observa no Gráfico II, os sujeitos do 1º, 2º, 4º Ano e profissionais consideram mais importantes as competências integradas na D5 (Dimensão de Formação Pessoal, Social e Cidadania). Os alunos do 3º ano, ao contrário deste padrão, valorizam mais as competências integradas na D2 (Dimensão das práticas educativas). Esta inversão do padrão poderá ser explicada, como já antes o dissemos, pelo momento em que a informação foi recolhida. Assim, os questionários foram passados numa altura em que os alunos do 3º ano estão a preparar-se para realizar o primeiro grande estágio. Este facto torna-se visível na preocupação com as questões referentes aos saberes práticos (competências incluídas na D2). Contudo, paralelamente a este “pico” da D2 observado no 3º Ano, verifica-se que estas competências práticas incluídas na D2 vão sendo progressivamente valorizadas ao longo do curso. Esta valorização é visível no aumento sucessivo do número de respostas incluídas nesta categoria e que atinge o auge no 3º ano. No entanto, este padrão modifica-se quando observamos o resultado do 4º ano. Neste caso os resultados aproximam-se claramente dos observados nos profissionais. Esta mudança parece indiciar que a iniciação à prática profissional é um momento organizador ou reorganizador das representações sobre a profissão de educador de infância. Depois desta experiência os estudantes abandonam uma concepção de educador assente na valorização das competências práticas para abarcar uma concepção que, embora inclua competências de muitos domínio, valoriza significativamente mais as competências de Desenvolvimento Pessoal e Social, concepção essa partilhada pelos profissionais em exercício há mais de 5 anos. 6 - Conclusões - Os alunos enriquecem a sua concepção do profissional de educação à medida que vão frequentando o curso. - Esta concepção assenta em competências ligadas ao desenvolvimento pessoal e social do educador. - Ao longo do curso os alunos vão valorizando cada vez mais as competências práticas do exercício da profissão. - A realização do primeiro grande estágio marca uma viragem nesta tendência, diminuindo o peso dado pelos alunos às competências práticas. - As competências mais valorizadas tanto pelos alunos como pelos profissionais estão ligadas ao desenvolvimento pessoal e social. - Estas concepções parecem indiciar uma visão de educação de infância conotada com um espaço essencialmente de socialização. [1]
Foram consideradas as mesmas categorias
identificadas no trabalho de Neves, P.; Gonçalves, S., Vale,V. (2002).
Desempenho profissional dos educadores recém-licenciados: o que pensam
os educadores cooperantes, XII Congresso Afirse. Lisboa.
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