Melhor falar para melhor leer
Fernanda Leopoldina Viana
1. Introdução

Em Portugal a educação pré-esscolar não é obrigatória, pelo que não há um currículo para o ensino pré-escolar. Todavia, em 1997 foi publicado um documento importante - as Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar – que pretende constituir uma base de apoio para a prática pedagógica dos Educadores de Infância. Neste documento assume-se que o Educador de Infância é o gestor do currículo, no âmbito do projecto educativo do estabelecimento de ensino. Neste documento elencam-se três áreas de conteúdo, a ter em conta pelos Educadores de Infância, áreas de conteúdo que “constituem as referências gerais a considerar no planeamento e avaliação das situações e oportunidades de aprendizagem”: 1) Área de Formação Pessoal e Social; Área de Expressão/Comunicação; Área de Conhecimento do Mundo. As diferentes áreas deverão ser abordadas de forma globalizante e integrada, pelo que a opção de “entrada” por uma das áreas não impede que se trabalhem todas as outras.

A área de conteúdo Expressão/Comunicação compreende três domínios: a) domínio das expressões com diferentes vertentes – expressão dramática, plástica e musical; b) domínio da linguagem e abordagem à escrita; c) domínio da matemática.

Actualmente considera-se que o desenvolvimento linguístico é fundamental para o crescimento cognitivo em geral, e em particular para o sucesso escolar, pelo que é considerado como “pedra basilar no crescimento do sujeito” (Sim-Sim, Duarte & Ferraz, 1997, p.36) do qual dependem as aprendizgens futuras. Como tivemos já oportunidade de sublinhar (Viana, 2002) a estimulação e o desenvolvimento do interesse pela comunicação escrita deverá ter como ponto de partida o interesse pela comunicação oral que a antecede e prepara. Daí que na Educação Pré-Escolar deva ser estimulado o levantamento de hipóteses sobre as relações entre o oral e o escrito permitindo, por exemplo, que a criança descubra o que é a leitura, para que serve, o que pode ser lido, que a escrita codifica a fala, etc., etc.

A investigação recente tem vindo a demonstrar que o nível de desenvolvimento linguístico das crianças está directamente relacionado com a quntidade e a qualidade das interacções vividas nos diferentes contextos de vida. São inúmeros os estudos que confirmam que o domínio de uma língua na sua vertente oral influencia o processo de aprendizagem da leitura e da escrita

2. De pré-requisitos para aprender a ler e a escrever a competências facilitadoras


Durante vários anos ouvimos falar em pré-requisitos ou maturidade para a aprendizagem da leitura (Baroja et al., 1985; Molina, 1981; Condemarin et al., 1985 entre outros). Estes pré-requisitos, variáveis de autor para autor, eram constituídos essencialmente por competências perceptivas e motoras (lateralidade, esquema corporal, discriminação e memória visual, diferenciação perceptiva, coordenação visuo-motora, etc., etc.). A formação dos educadores de infância dava ênfase à promoção do desenvolvimento destas capacidades. A importância do domínio das actividades neuro-perceptivas e motoras como determinantes para o acesso à leitura começou a ser questionada a partir dos anos 70 (do século XX) por inúmeras investigações e estudos conjuntos de várias ciências (linguística, pedagogia, psicologia). A evidência experimental das últimas décadas (Vellutino, 1977, 1987, Vellutino et al., 1972, 1996; Morais, 1994 entre outros) tem mostrado que os bons e os maus leitores não se diferenciam muito quanto ao domínio de competências de cariz perceptivo e motor, e que a maior facilidade no acesso à leitura e à escrita deriva, essencialmente, do maior ou menor domínio que as crianças têm da linguagem oral. O modelo clássico (neuro-perceptivo-motor) começou, então, a ser questionado. O principal argumento dos defensores do novo modelo (chamado de psicolinguístico) é baseado na premissa de que para dominar a linguagem escrita é preciso dominar a linguagem oral.

A atenção aos comportamentos emergentes de leitura e a investigação sobre as dificuldades de aprendizagem na leitura vieram mostrar que as experiências de linguagem na vida das crianças compreendem a leitura, a escrita, a fala e a audição como um todo unificado, e que a literacia envolve todas as capacidades comunicativas. Falar, ouvir, ler e escrever, na maioria dos casos desenvolvem-se de uma forma concorrente. Face aos dados da investigação o programa a elaborar teria como objectivo geral subjacente a estimulação e o desenvolvimento do interesse da criança pela comunicação oral.

Premissas que tivemos em conta
- Demonstrar que não seria necessário uma educação infantil "escolarizante" para se promover o desenvolvimento de competências (e apetências) para a leitura e para a escrita.
- Ter em conta a formação de base dos educadores e os seus estilos pessoais de organização das actividades, para que estes continuassem muito autênticos na sua relação com as crianças.
- Não haver uma "hora do programa", mas pugnar para que todas as actividades fossem "minadas" pelos objectivos do programa.
3. O Programa

Racional


Aprende-se a falar falando e ouvindo falar. No entanto, o desenvolvimento da linguagem oral depende também do interesse em comunicar. Este interesse terá de ser alimentado por experiências de vida geradoras de vontade de comunicar. Por outro lado, aprende-se a ler ouvindo ler e lendo. José Morais (1994) interroga-nos: como podemos abordar a leitura se a criança ainda não compreendeu que tipo de objecto é o livro, e que o texto transcreve a linguagem? Como podemos ter o desejo de ler se não sabemos o que é a leitura? Isto é, se queremos despertar o desejo de ler de forma autónoma, temos que ler para e com as crianças. O primeiro passo será, portanto, ouvir ler. Morais (1994) considera que a leitura de histórias para as crianças desempenha importantes funções ao nível cognitivo, linguístico e afectivo.

Ao nível cognitivo contribui para i) abrir janelas sobre conhecimentos que a conversa do dia a dia não consegue comunicar; ii) estabelecer associações claras entre a experiência dos outros e a sua; iii) que quem ouve aprenda, quer pela estrutura da história, quer pelas questões e comentários que ela sugere, a interpretar melhor os factos e os actos, a organizar melhor e a melhor reter a informação, e a elaborar melhor os cenários e esquemas mentais (Morais, 1994, p.180).

Ao nível linguístico este autor considera que permite clarificar um conjunto muito variado de relações entre a linguagem escrita e a linguagem falada, tais como: i) o sentido da leitura; ii) as fronteiras entre as palavras; iii) a relação entre o comprimento das palavras faladas e das palavras escritas; iv) a recorrência das letras e dos sons; v) as correspondências letra/som; v) as marcas de pontuação etc. (idem, p. 180). Esta escuta permite à criança, para além de aumentar e estruturar o seu repertório de palavras, familiarizar-se com outras estruturas de frases e de textos. Muitas palavras e muitas estruturas sintácticas (voz passiva, inversão do sujeito e verbo por exemplo), bem como certas regras de coesão do discurso, aparecem com uma frequência muito baixa na linguagem oral, pelo que a criança tem poucas possibilidades de contactar com elas a não ser pela via da leitura.

Ao escutar histórias, de uma forma lúdica a criança aprende, por exemplo, a definir objectivos e estratégias de compreensão, a organizar sequencialmente o tempo e o espaço, a parafrasear e a compreender ou a utilizar figuras de estilo e de sintaxe. Estas capacidades ser-lhe-ão particularmente úteis principalmente depois dos dois primeiros anos de escolaridade, quando aumenta a complexidade dos textos que lhe serão apresentados na escola. Os conhecimentos linguísticos adquiridos ao longo da audição de uma história fornecem à criança uma mais-valia importante, quer para poder lidar com a progressiva complexidade dos textos com que vai sendo confrontada, quer para a escrita dos seus próprios textos.

Ao nível afectivo, Morais (1994) considera que a leitura de histórias em voz alta para a criança lhe permite descobrir o universo da leitura pela voz, plena de entoação e de significado, mediada através das pessoas em quem confia, de quem gosta e com quem se identifica. Esta actividade é, para este autor, a grande porta para dar gosto às palavras e ao conhecimento. Esta relação intensamente afectiva potencializa os ganhos cognitivos e linguísticos. Intuitivamente, o comportamento de muitos pais favorece estes ganhos. Quando estes comentam e explicam as partes mais difíceis do texto ou quando se asseguram de que as crianças conhecem as palavras utilizadas, estão a promover o desenvolvimento linguístico das crianças e a desenvolver o desejo de “ler”sozinho

Assim, a actividade de leitura de histórias foi adoptada como o "pivot" de todo o programa, tanto mais que consideramos que a leitura de histórias em voz alta pode, e deve, fazer parte integrante de qualquer currículo pré-escolar. No entanto, para permitir uma relação afectiva e próxima com as crianças, a leitura deverá fazer-se em pequeno grupo. A leitura para um grupo pequeno permite interacções e formas de partilha diferenciadas das que se geram numa relação de mãe/pai com o filho. Por outro lado, se sabemos que o sucesso na aprendizagem da leitura está fortemente relacionado com a estimulação fornecida pela família, então a leitura de histórias no Jardim de Infância pode ter um papel decisivo ao proporcionar às crianças cujos pais nunca lêem, oportunidades únicas de contacto com a leitura e a escrita. Chamamos no entanto novamente a atenção para que, apesar de defendermos que a leitura de histórias faça parte integrante de qualquer currículo pré-escolar, não defendemos que estes momentos constituam uma “rotina” no seu sentido depreciativo, pois, utilizando as sábias palavras de Heath (1983), "não é apenas lendo para a criança que se faz a diferença, mas saboreando os livros em conjunto, e reflectindo sobre a sua forma e o seu conteúdo”.

Respeitando a planificação e os projectos de cada Jardim de Infância, o estilo pessoal de cada educador e os interesses das crianças, as histórias seriam, como é óbvio, diferentes. Pretendíamos também incentivar o contacto com a família, pelo que as histórias poderiam também ser trazidas (e levadas) pelas crianças.

A leitura da história abriria naturalmente o caminho à exploração da mesma, à caracterização das personagens, às perguntas sobre as palavras desconhecidas, à segmentação de palavras e de frases, à descoberta de palavras que rimassem com..., à descoberta de contrários, de plurais, etc.. Na exploração das histórias, pensamos ser importante ter presentes os ensinamentos de Cazden (1968) e de Lentin (1976), utilizando bastantes expansões dos enunciados, isto é, dando continuidade às expressões das crianças expandindo as ideias e não apenas o nível linguístico. Interessava-nos não só “ensinar” linguagem (no sentido estrito de vocabulário/articulação/correcção sintáctica), mas desenvolver o suporte linguístico do pensamento da criança. Pretendíamos também seguir de perto Hobson (1973), no seu trabalho com o Tucson Early Model, tendo em atenção os elementos encontrados nos padrões naturais de interacção adulto/criança, como: i) feed-back correctivo e sumário; ii) elaboração e extensão, alargando a linguagem e as palavras para além do imediato; iii) alargamento do conhecimento, fornecendo informação para além do imediatamente disponível; e iv) reforço.

Um dos objectivos presentes em todos os programas de linguagem é o desenvolvimento de um repertório rico em termos linguísticos. É importante que as crianças possuam as palavras adequadas àquilo que sentem ou querem transmitir. Assim, no nosso programa, dedicaríamos um espaço às palavras novas. As palavras consideradas novas seriam inventariadas pelas crianças e escritas pelos educadores. Paralelamente, as crianças seriam convidadas a construírem frases com a(s) nova(s) palavra(s). Com esta actividade pretendia-se, além de ajudar a criança na associação de palavras a conceitos e na sua memorização, na sua introdução no repertório linguístico ou na re-atenção para o(s) seu(s) significado(s), ajudar também a criança a descobrir a correspondência entre o oral e o escrito, e, paralelamente, proporcionar-lhe contacto com diferentes tipos de escrita, já que seria utilizada a letra de imprensa e a letra manuscrita.

A expressividade linguística, e muitas vezes a poeticidade, são atingidas através do jogo. Porquê não o fazermos nós também? O brincar com as palavras e o humor foram por nós considerados estratégias discursivas importantes para a adesão das crianças.

Os estudos sobre as dificuldades encontradas pelas crianças ao nível da leitura e da escrita (Alegria, Pignot & Morais, 1982; Alegria, 1985; Clément, 1987) apontam para a importância de a criança, para além de ter de "saber falar" para ser iniciada à leitura e escrita formais, ser capaz de algum exercício de reflexão sobre a linguagem. Daí que, no nosso programa, se contemplassem actividades que ajudassem a criança a tornar-se uma "analista de linguagem", propondo exercícios de segmentação (de palavras e frases), e descoberta de rimas ou de palavras começadas por determinada sílaba ou fonema. Salientamos que estes exercícios seriam propostos numa relação de continuidade com a história lida, já que se utilizariam palavras que nela tinham aparecido. Trata-se, portanto, de uma análise que não surge desenquadrada de um contexto de comunicação mais geral.

A capacidade de elaborar narrativas constrói-se na vivência quotidiana. Pode haver habilidade descritiva e não habilidade narrativa (onde é solicitada a re-elaboração de situações). Ao relatar uma história (ou uma vivência), a criança evoca lembranças/imagens e transforma-as em conteúdo linguístico. O conto e o reconto (registados) desenvolvem e implicam grandes habilidades linguísticas. Ao introduzirmos o item "vamos ser escritores", pretendíamos ajudar a criança a descobrir como a escrita funciona, e as relações entre a oralidade e a escrita. Se as nossas normas de falar/ouvir são determinadas pelos modelos que temos de falantes/ouvintes, as nossas normas de ler/escrever são, por sua vez, influenciadas pelos modelos que temos de leitores/produtores de textos. Um dos problemas mais comummente encontrados pelas crianças na aquisição da escrita é precisamente o não conseguirem desligar-se do padrão oral-auditivo da linguagem (Zorzi, 1994). Por outro lado, a leitura dos relatos ou recontos permite compreender o valor da comunicação escrita. "Observar o processo do ditado (a criança dita e a educadora escreve) e reler as histórias dá às crianças a compreensão do que são a leitura e a escrita, e as razões da importância de aprender estas habilidades" (Spodek & Saracho, 1994, p.309).

A utilização do livro grande, cuja leitura facilita o apontar com o dedo, permite que a criança facilmente se dê conta da direccionalidade da escrita e da leitura. Queríamos que a criança visse escrever ao mesmo tempo que a educadora ia verbalizando as palavras que escrevia, pois para Adams (1994) "este escrever verbalizando é, para muitas crianças, apenas o que necessitam para construírem a noção de palavra, para entenderem as palavras como unidades linguísticas, competências importantes para aprender a correspondência entre fala e som, para um insight inicial de como a escrita funciona" (p. 338). Por outro lado, ler em voz alta textos em grande formato desenvolve o conceito de leitura e habilidades pró-leitura (tal como a progressão direita/esquerda), ajuda à compreensão das convenções do impresso, dá à criança o sentido da linguagem escrita, desenvolve a discriminação visual e o reconhecimento de letras e palavras (Spodek & Saracho, 1994).Face à falta de livros grandes no nosso mercado optaríamos por fazê-los com o reconto das crianças.

A introdução da possibilidade de, pelo menos mensalmente, o grupo de crianças poder usufruir de um "contador de histórias", oriundo do meio familiar das crianças, não pretendia apenas facilitar a ligação Jardim/Famílias. Queríamos contribuir também para uma maior sensibilização dos pais ao desenvolvimento da linguagem e à consciencialização da sua importância neste desenvolvimento (apesar de as crianças destes jardins passarem cerca de 9-10 horas na instituição). Quando pensávamos na elaboração deste programa, sentimo-nos tentados a dar mais ênfase à formação de pais, incluindo, à semelhança de Morrow e colaboradores (1995), formação em leitura de histórias interactiva e empréstimo de livros para leitura familiar. Nas primeiras aplicações limitámos o nosso trabalho ao meio escolar, esperando (o que acabou por acontecer) que o desafio às famílias fosse feito pelas próprias crianças. Em aplicações e expansões posteriores do programa foram progressivamente sendo introduzidas actividades mais direccionadas aos pais, como um caderno para o registo de mensagens entre o Jardim de Infância e a família (Pinto, 2002), ou formação de pais para leitura dirigida a crianças (Gamelas et al., 2003)
Objectivos

Para além do objectivo central de promover o desenvolvimento da linguagem e de competências metalinguísticas nos grupos de crianças trabalhados, tínhamos em mente ainda os seguintes objectivos: i) capacitar os Educadores de Infância dos jardins envolvidos no projecto para uma análise mais objectiva e mais abrangente da linguagem das crianças, e para integrar esta análise numa avaliação mais compreensiva das crianças com quem trabalham; ii) incentivar a identificação precoce de dificuldades ao nível do domínio da linguagem oral; iii) ajudar os Educadores de Infância a desenvolverem estratégias e actividades mais sistemáticas de exploração e desenvolvimento da linguagem; e, iv) sensibilizar os pais para a importância da linguagem no processo de desenvolvimento dos seus filhos.

Organização

O Programa de Desenvolvimento de Competências Linguísticas, a que chamámos “Melhor Falar para Melhor Ler”, foi desenhado de forma a poder ser integrado na planificação das actividades de cada grupo de crianças. Paralelamente, procedeu-se também à análise dos recursos materiais de que disporíamos, nomeadamente quanto aos livros existentes na Biblioteca Municipal e nas bibliotecas particulares de cada Educador. Procedeu-se, também, a uma reorganização do espaço das salas, libertando paredes onde pudessem ser afixados os diferentes materiais que iriam ser produzidos, bem como o jornal.

Para além do Guião do Programa, transcrito no Quadro 1, sugeriram-se alguns registos adicionais que nos pudessem permitir uma avaliação mais fina da participação de cada criança e do evoluir próprio programa. Cedo nos apercebemos que esta programação não poderia ser diária, já que a riqueza de muitos textos constituía um manancial enorme de exploração, pelo que um só texto poderia servir como base de trabalho para várias áreas de conteúdo durante vários dias.

Os materiais a utilizar foram constituídos essencialmente por livros (histórias, poesia, contos rimados), jornais e revistas. Incluiu-se ainda um dicionário, papel A3 e marcadores grossos.

De todo o trabalho realizado, seriam efectuados registos: a história trabalhada, a notícia explorada, as crianças que participaram, os comentários efectuados, etc. etc.. Sugeriu-se também que a educadora registasse a reacção das crianças às tarefas propostas, bem como as suas dificuldades. Um outro tipo de registos seria o obtido com a elaboração dos livros grandes, compilados dos recontos das histórias, bem como das palavras novas e das frases criadas pelas crianças para a produção destes textos. Este tipo de registo/produto permitirá uma análise mais fina da evolução das crianças, nomeadamente em termos de riqueza lexical e de construção gramatical.

Quanto à sua duração, este programa não teve, nem poderia ter face à sua natureza, destinatários e objectivos, um número de sessões pré-determinado. Para além de respeitarmos os projectos pedagógicos de cada jardim envolvido, como já referimos a programação diária foi sendo alterada e adequada, podendo uma mesma história ser trabalhada durante vários dias. Assim, o número de histórias lido foi diferente de Jardim para Jardim, pois foi respeitado o calendário lectivo e os projectos pedagógicos de cada um, que poderiam implicar saídas ao meio, ou outro tipo de actividades. O número médio de histórias lidas em cada Jardim de Infância situou-se em 31.

Exemplos de actividades desenvolvidas


Apresentaremos, de seguida, exemplos de algumas actividades propostas e desenvolvidas. Como tivemos já oportunidade referir, era nossa intenção promover o desenvolvimento linguístico e metalinguístico das crianças num contexto geral de comunicação, que não podia alhear-se dos contextos em que as crianças viviam e dos seus interesses particulares. Numa primeira publicação-relato deste programa (Viana, 2001), dos 52 textos trabalhados apresentámos apenas exemplos de 18, com o objectivo de desincentivar a réplica sem crítica e sem adaptação. Com os exemplos incluídos pretendíamos apenas dar uma ideia de como se podem abordar as diferentes áreas de conteúdo de forma globalizante e integrada, e que constituissem desafio à imaginação e flexibilidade de cada Educador. Gostaríamos de salientar que a sistematização e o detalhe da informação que apresentaremos não significaram nunca rigidez, procurando-se sempre uma obediência criativa (Almeida & Morais, 1994) ao guião do programa que traçáramos. Ao educador caberá sempre o importante papel de promotor e facilitador da comunicação entre o grupo. Assim sendo, não poderemos no deixar de chamar a atenção para importância da formação dos Educadores de Infância que devem estar familiarizados com as teorias do desenvolvimento da linguagem e com a investigação recente que tem sido produzida sobre a emergência de comportamentos de leitura nas idades pré-escolares.

Convém também referir que não foi nossa preocupação reunir um “corpus” de literatura infantil. A nossa selecção baseou-se, essencialmente, nos recursos de que dispúnhamos, tentando, todavia, diversificar o tipo de textos apresentados. Dispondo de outros recursos, poderão, com vantagem, ser seleccionadas obras que, para além da sua qualidade literária, possam permitir trabalhar aspectos importantes como a sonoridade, os absurdos, as relações causais, os conflitos afectivo-emocionais etc..

Dado que a descrição, a título de exemplo, de algumas das propostas de trabalho apresentadas às crianças irá ser feita de uma forma relativamente esquematizada, impõem-se algumas notas que cremos irão facilitar a sua leitura.

Na actividade EXPLORAÇÃO DA HISTÓRIA, são apresentadas as questões que a Educadora colocou às crianças. A frase a explicar é também seleccionada pela Educadora. A selecção da palavra nova é deixada ao critério das crianças e, de entre as sugeridas, a educadora seleccionará a que reunir maior consenso. Também na construção de frases com a palavra nova é deixada total liberdade à criança. Assim, as palavras e frases em itálico que surgem após cada uma das propostas de trabalho são exemplos das produções das crianças.

Na actividade REFLEXÃO SOBRE A LÍNGUA as palavras propostas para a formação de plurais, femininos e para segmentar, bem como as frases a corrigir e/ou a segmentar reflectem a selecção da educadora, o mesmo acontecendo com as palavras apresentadas para omissão dos sons iniciais. Também as frases sobre as quais se propõe a descoberta de omissões/substituições são da responsabilidade da Educadora, fazendo parte da planificação prévia.

Nas propostas de trabalho que sugerem a descoberta de palavras que possuem, começam ou acabam por determinado som, as palavras em itálico que as seguem são exemplos de produções (descobertas) das crianças. Exemplos de produções das crianças são também registados após as propostas de trabalho que convidam a formar frases com a(s) palavra(s) nova(s).

Para tornar mais clara a descrição das actividades, os exemplos dados serão precedidos das letras E para identificar as propostas da Educadora, e C para identificar as descobertas e selecções das crianças.

No que diz respeito ao RECONTO, as Educadoras foram-se tornando “editoras” das narrativas das crianças, introduzindo marcas de pontuação, e ajudando à organização das ideias numa sequência discursiva mais coerente. Assim, os recontos registados não reflectem, na íntegra, as narrativas das crianças.

Apesar da sistematização e do detalhe da informação inserida nas propostas que se anexam procurou-se sempre uma obediência criativa ao guião do programa que traçáramos. É, todavia importante que o Educador esteja atento às pistas de análise e reflexão provenientes das próprias crianças, aproveitando-as na sua intencionalização educativa pois, como veremos, por exemplo, no trabalho com o conto “O Galo e a Galinha”, no seguimento dos comentários e/ou interesses das crianças, parte-se para propostas de trabalho não previstas à partida.

Avaliação

No início desta comunicação referimos que um dos objectivos deste projecto era o de capacitar os educadores de infância dos jardins envolvidos para realizarem uma análise mais objectiva e mais abrangente da linguagem das crianças, e para integrarem esta análise numa avaliação mais compreensiva das crianças com quem trabalham. Os primeiros passos para a prossecução deste objectivo tiveram a ver com a formação das educadoras e com sua preparação para a aplicação de uma prova às crianças.

Assim, antes da aplicação do programa as crianças são avaliadas através do Teste de Identificação de Competências Linguísticas (Viana, 2004). Este teste é constituído por 4 sub-escalas (I-Conhecimento Lexical; II-Conhecimento Morfo-sintáctico; III-Memória Auditiva; e IV-Reflexão sobre a Língua) que, por sua vez, englobam várias provas. Ainda antes da aplicação do programa é recolhida informação sobre a história familiar e desenvolvimental de cada criança, e sobre os hábitos de leitura da família.

Dispensamo-nos de uma descrição detalhada das análises estatísticas levadas a efeito sobre os resultados do Teste de Identificação de Competências Línguísticas2, antes e depois da aplicação do programa, já publicados noutros contextos. Em termos de resultados consideramos de destaque os seguintes indicadores:

b) as diferenças estatisticamente significativas registadas na comparação entre grupos de crianças submetidos ao programa e grupos de crianças não submetidas ao programa;
a) tendência verificada para um aumento mais significativo nos resultados das crianças oriundas dos meios sociais menos favorecidos, nomeadamente nas áreas do Conhecimento Lexical e Reflexão sobre a Língua.

Actualmente completamos a avaliação das crianças com o Teste de Linguagem Técnica da Leitura (Martins et al., 1997) por considerarmos que esta prova nos faculta bons indicadores do domínio dos códigos da escrita por parte das crianças. Esta prova, constituída por 30 itens (mais dois de treino) tem os seguintes objectivos: i) determinar o conhecimento que a criança tem sobre a ordem e a sequência da escrita e da leitura; ii) determinar a habilidade da criança para identificar números, letras, palavras, frases e marcas de pontuação; iii) determinar a habilidade para segmentar frases e palavras como unidades linguísticas distintas e compreender termos tais como letra maiúscula, minúscula, ponto de interrogação. A evolução dos resultados nesta prova tem apresentado sempre diferenças grandes e estatísticamente significativas em relação aos resultados de crianças não submetidas ao programa.

A análise dos registos efectuados pelas educadoras fornece-nos também alguns indicadores da evolução linguística das crianças. Um dos registos privilegiados para análise é constituído pelos Recontos. Quanto aos recontos, a evolução verificada situou-se essencialmente a dois níveis: i) ao nível da captação de estruturas linguísticas mais analíticas e mais próximas da canonicidade do discurso escrito; e ii) ao nível de uma maior utilização de orações subordinadas e coordenadas. A evolução a este nível poderá (e deverá) ser também considerada um indicador da evolução linguística das crianças.

Sem nos deixarmos iludir pela significância estatística encontrada, interessava-nos, também, analisar os efeitos pragmáticos deste programa. Assim, foram analisados alguns outros indicadores do impacto que este programa tem tido, recolhidos através dos registos efectuados pelas educadoras. Mencionaremos, em primeiro lugar, indicadores de mudanças nas atitudes de crianças e pais, e, em segundo lugar, os indicadores de mudança ao nível dos educadores/investigadores.

- Maior interesse pela mensagem escrita. Perguntas do tipo "o que diz aqui?", começaram a ouvir-se frequentemente, e perante um número também cada vez maior de suportes escritos (placas sinalizadoras, letreiros diversos, rótulos dos mais diversos produtos, etc.). Esta curiosidade era também manifestada em casa, tanto nas crianças dos grupos de 5/6 anos, como nas crianças mais novas (4/5 anos).

- Aumento do número de leituras globais sobre os materiais de uso corrente, mas leitura esta alicerçada numa análise da mancha gráfica e não numa leitura essencialmente contextualizada. Aliás foi curiosa a constatação de que o facto de se etiquetarem os materiais não é suficiente, se não se fizer uma exploração dessas mesmas etiquetas. Uma criança, por exemplo, cujo nome era Paulo, concluiu que a etiqueta da prateleira dos jogos não podia dizer "puzzles" como ele durante muito tempo pensara, porque esta palavra não começava pela mesma letra do seu nome. Do mesmo modo, uma outra criança questionava a educadora pelo facto de ela falar em Canto da Leitura, quando, o que estava escrito no biombo que delimitava este canto, era a palavra Biblioteca.

- Maior interesse em conhecer palavras novas, a par de tentativas sistemáticas de aplicar o novo léxico nas frases que produziam. "E o lobo fugiu apadorado", diz uma criança recontando uma história... Face à expressão facial da educadora, que tentava “traduzir” o que a criança queria dizer, esta apressou-se a ajudá-la, utilizando a expressão, "pois, fugiu cheio de medo, como tu explicaste!". Apavorado era a palavra que tinha ouvido e que tentava introduzir na sua linguagem expressiva;

- Maior solicitação à leitura em casa, desde a história ao deitar, até às notícias do jornais, agora com uma nova exigência: inquirir sobre o significado das palavras desconhecidas. Quando várias crianças pedem aos pais, como prenda de anos, um dicionário, “um livro onde estão as palavras todas, mesmo as mais malucas...”, é evidente a apetência pela aprendizagem de palavras novas.

- Maior facilidade em recontar histórias, utilizando no reconto uma linguagem tradutora do contacto com a linguagem escrita. Quando uma criança comenta : "Não podes estar sempre a dizer e depois, e depois, e depois, senão assim não fica como uma história...," é nítido que, de uma forma quase explícita, distingue já o registo oral do registo escrito de linguagem.

Várias dúvidas e hesitações nos surgiram aquando do registo dos recontos. Como conciliar o respeito pelo discurso das crianças com um discurso coerente e organizado? Começámos por respeitar o discurso das crianças, mas cedo constatámos que elas não manifestavam grande interesse em utilizar os recontos para posterior leitura, preferindo sempre as histórias originais. Reflectindo sobre o assunto, hipotetizamos que esta rejeição pela utilização dos recontos como “livros”, radicava no facto de a linguagem utilizada não reflectir as características que constatavam (e apreciavam) nos textos de autor. Assim, as educadoras foram-se transformando nas “editoras” das experiências e relatos das crianças. Ao escrever o que elas diziam iam introduzindo de forma menos tímida as marcas de pontuação, organizando as ideias numa sequência discursiva mais coerente, propondo substituições de algumas palavras ou expressões, em suma, intervindo de uma forma mais activa neste discurso para que o produto final se aproximasse das características do registo escrito. Aliás, Alliende e Condemarin (1987, p. 95) consideram que “o acentuar das diferenças entre a expressão oral e a expressão escrita “editada” pelo mestre, ajudará a criança a aumentar a consciência das características do texto impresso”.

- Maior facilidade em descobrir e fazer rimas, porque já mais capazes de decompor as palavras nos seus constituintes sonoros e de fazer apelo a outras construções.

-Maior reflexão sobre as manchas gráficas que observavam. Aqui não resistimos à transcrição da explicação de uma criança para a existência de espaços entre as letras quando as palavras são escritas à máquina: "quando escrevemos à mão, escrevemos tudo seguidinho, sem levantar o lápis, mas na máquina ou no computador, temos que procurar as letras e carregar numa de cada vez..." Se os espaços correspondiam aos tempos de procura das letras no teclado, foi um dos aspectos explorados. Aqui, a explicação foi a de que "quando as palavras acabam, temos que dar um espaço maior, para se saber que elas acabam".

- Aumento da pontualidade e dos períodos de concentração por parte das crianças.
A leitura de histórias constituiu sempre um momento alto do dia, ao qual as crianças não queriam faltar. Isto ajudou a que a pontualidade das crianças, normalmente reclamada pelos educadores, passasse a ser reclamada pelas próprias crianças. Foi também surpreendente verificar o crescimento da capacidade de atenção e de “saber ouvir” por parte das crianças. Mesmo as mais desconcentradas, eram absorvidas pelo clima de cumplicidade e intimidade gerado pela leitura da história. De um modo geral, a partir da segunda semana de implementação do programa, começaram a notar-se progressos surpreendentes nas atitudes das crianças.

- Aumento da participação por parte das crianças.
Como dissemos na primeira parte deste trabalho, foram efectuados vários registos de apoio ao programa. A análise desses registos permitiu verificar um aumento da participação por parte das crianças, traduzida em mais questões, mais descobertas e mais hipóteses sobre a linguagem oral e eescrita.

- Utilização de uma linguagem mais rica por parte das crianças.
De salientar também a apetência das crianças para uma linguagem menos infantil. Ao seleccionar as suas próprias histórias nos cantinhos de leitura/bibliotecas, ouviam-se comentários do tipo "essa é para bébés".

- Aumento do interesse dos pais em saber o que se passava no Jardim de Infância.
Este interesse era informalmente avaliado através das perguntas que os pais faziam quando entregavam ou recolhiam as crianças nas instituições.

Um outro aspecto sobre o qual gostaríamos de deixar uma nota final tem a ver com a preparação prévia necessária à implementação de programas deste tipo. Mostrou-se de grande utilidade o facto de se efectuar, para cada história, uma espécie de guião de exploração, pois ele permitia dar mais intencionalidade às diferentes propostas a apresentar às crianças. Este procedimento permitiu às educadoras uma melhor exploração da história, com a certeza de que o estilo pessoal de cada uma não interferiria, de modo negativo, nos aspectos a serem valorizados e, consequentemente, mais trabalhados. Este tipo de preparação prévia permitiu, também, estruturar a exploração e fazer pontes diversas com as vivências das crianças no mundo extra escolar. Para estas pontes contribuiu também o cruzamento efectuado com a informação fornecida pelos pais no questionário que lhes foi endereçado.

Se foi opinião geral de que o desenvolvimento de um programa deste tipo incentiva à participação, ficou no entanto bem clara a necessidade de o educador desempenhar um papel activo de moderador. Queremos com isto dizer que o educador deverá estar muito atento, pois facilmente a ânsia de participação das crianças se transforma numa monopolização da comunicação e das intervenções, cabendo ao educador o difícil papel de incentivar, dar a palavra, aproveitar o mínimo sinal de vontade de participar de uma criança tímida, elogiar a intervenção de outra menos participativa, etc.

A adesão das crianças às actividades propostas mostrou-nos (se é que existiam dúvidas) que não estávamos a "forçar" as crianças. A apetência para estas actividades de "brincar com as palavras" confirmaram-nos de que estávamos num período crítico para estas aprendizagens. Como Lenneberg (1967) sugeriu ao desenvolver a teoria das bases biológicas da linguagem, as estruturas linguísticas latentes são determinadas biologicamente, necessitando de se actualizar no contexto de uma exposição saudável com a linguagem adulta. Era esta exposição saudável que lhes estávamos a propiciar, e sentimos que as crianças gostavam que as tratássemos como crescidas.

Referências

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ANEXO - Exemplos de actividades

Exemplo 1: O RATO DA CIDADE E O RATO DO CAMPO (Adap. de Eric Kincaid. Porto: Edições ASA)

A - EXPLORAÇÃO DA HISTÓRIA

E: - Qual o título da história?
E: - Como se vestia o rato da cidade?
E: - Onde vivia o rato do campo?
E: - Como foi que os ratos se conheceram?
E: - Com o objectivo de se conhecerem melhor, que iniciativa tomou o rato do campo? Que fez o rato do campo?
E: - O rato da cidade gostou da casa do novo amigo? Porquê?
E: - De que se alimentava o rato da cidade? E o rato do campo?
E: - De que parte da história gostaram mais?
E: - Qual dos ratos vos pareceu mais simpático?

Explicar a frase

E: -A CASINHA ERA MUITO ACOLHEDORA

Selecção de uma palavra “nova” por parte das crianças

C: CONFORTÁVEL (Nota: apesar de ser seleccionada como “nova”, o significado desta palavra era dominado pelas crianças)

Construir frases com a palavra

C: -O SOFÁ É MUITO CONFORTÁVEL
C: -A CADEIRA É MUITO CONFORTÁVEL
C: -A BOTA É MUITO CONFORTÁVEL
C: -CAMA É MUITO CONFORTÁVEL

Visualização da escrita

A palavra nova foi escrita numa folha de cartão e afixada no placard das palavras novas. As frases foram escritas no quadro.

B - REFLEXÃO SOBRE A LÍNGUA

Partindo de palavras existentes no texto lido (de formação regular de plurais), a educadora propôs a descoberta de plurais, descoberta esta que foi alargada a outras palavras. De igual modo, e partindo de frases existentes na história lida, mas que foram alteradas em termos da organização dos elementos que as compunham, a educadora propôs a sua correcção.

Construção de plurais

E: CASA CAMPO RATO RAÍZ FUNIL FELIZ
Correcção das frases
E: -O QUEIMA SOL
E: -CAMPO RATO DO
E: -O RATO DO CAMPO GOSTAVA DE VIVER NA CIDADE.
Nota: Comparou-se o “erro” de cada uma das frases. Nas duas primeiras frases, o erro estava na ordem das palavras na frase. A terceira frase estava incorrecta por não corresponder aos gostos do rato do campo.

Descobrir palavras começadas por... /ra/ como Rato.

C: RAIO RÁDIO

Descobrir palavras acabadas em... /ra/

C: GUERRA TERRA TURRA AGARRA PORRA

Segmentar palavras em sílabas, contando as sílabas

E: RATO AMIGOS CIDADE CASINHA CAMPO

Segmentar frases em palavras
(Com batimentos no joelho)

E: RATO DO CAMPO COME RAÍZES.

C - RECONTO DA HISTÓRIA
Era uma vez um rato do campo, que gostava de comer sementes e raízes de árvores e foi a um casamento e conheceu o rato da cidade.
O rato da cidade disse no casamento:
- Anda para a minha casa...
E ele foi e depois o rato da cidade disse ao do campo:
- Come alguma coisa! Come!
Depois veio uma pessoa e eles foram-se esconder. Quando a pessoa não estava lá, eles foram comer outro bocadinho. Mas, veio outra pessoa, e o rato do campo disse:
- Não gosto nada de estar aqui, faz-me doer a barriga.
Depois foi para o campo e disse:
- Podem matar-me no campo, mas lá estou mais sossegadinho!
O rato do campo convidou o da cidade para ir para o campo, mas ele disse que não gostava da comida do campo e não foi.

Exemplo 2: PINGU VAI TER UM IRMÃO (Sibille von Flue. Porto: Civilização Editora)

A - EXPLORAÇÃO DA HISTÓRIA

E: - Quem é o Pingu
E: - Alguém sabe como se chama a casinha do Pingu?
E: - Diz na história que a mãe do Pingu estava sentada em cima de um grande ovo para o chocar. O que é chocar um ovo?
Nota: O acto de chocar um ovo não era do conhecimento de grande parte das crianças. Esta palavra veiculou vários sentidos: “Para aquecer o ovo”, “para o ovo não fugir”, “para o ovo não ficar sozinho”... Chocar apareceu com o sentido de bater (ir contra a...), e “ficar podre”. Uma criança disse: “A minha mãe no domingo disse que eu tinha um bocadinho de febre e estava a chocar”.

Explorou-se a “febre” que as aves têm e a importância dessa temperatura especial para o filho se desenvolver dentro do ovo, explicando-se o sentido da palavra “chocar” utilizada pela mãe desta criança.

Palavras novas (pesquisa no dicionário)

C: PREFERIDA (Algumas interpretações das crianças: “a que se gosta mais mais”; a mais linda”)

C: IGLÔ (Algumas interpretações das crianças: “casa dos pingus”; “é douradinhos”)

C: IMPACIENTE (Algumas interpretações das crianças: “que não tem paciência”; “uma pessoa que está paciente é uma pessoa quieta”; “é olhar de um lado para o outro”)

Construir frases com as palavras novas

C: - SABES QUAL É A MINHA CASSETE PREFERIDA?
C: - O MEU DISCO PREFERIDO É O REI LEÃO
Construir frases relacionadas com a história
C: - A MÃE E O PAI FORAM ESTENDER A ROUPA
C: - O PINGU ESTAVA SENTADO EM CIMA DO OVO
C: - O PINGU ESTAVA SENTADO A OUVIR MÚSICA, COM OS OLHOS FECHADOS
C: - O PINGU ESTAVA ESCONDIDO NO ARMÁRIO

B – REFLEXÃO SOBRE A LÍNGUA

Descoberta de palavras começadas como Pingu

C: PINTAR PINTAINHO PINGADO PINHAL PINHAS

Unir sílabas para formar palavras

E: LA + VAR = LAVAR
E: SEM + TA + DO = SENTADO

Segmentar a frase em palavras
(com batimentos dos pés)

E: - PINGU ESTAVA SENTADO EM CIMA DO OVO

Segmentar palavras em sílabas

E: PINGU ESTAVA SENTADO CIMA
Inversão da ordem das palavras
E: PINGU PEGA REDE NUMA

C - ILUSTRAÇÃO DA HISTÓRIA

D - RECONTO DA HISTÓRIA
Pingu era um pinguim muito bonito que ia ter um irmão. A mãe estava cansada de chocar o ovo e pediu ao Pingu para chocar um bocadinho em vez dela. O Pingu foi para lá, mas como gostava muito de música, começou a dançar e esqueceu-se que tinha que estar sempre em cima do ovo. Mas o ovo com o irmão lá dentro também dançava e desarrumaram a casa toda. A mãe e o pai não se zangaram muito com ele mas, de castigo, ele teve que arrumar tudo outra vez.
Nota: Constatámos que as crianças não gostavam muito de ouvir o recontos das histórias que iam sendo registadas. Ao registarmos os recontos, respeitando a narração da criança, íamos no entanto introduzindo alguns elementos que aproximassem mais os recontos do registo escrito, não ficando, portanto, tão presos ao discurso oral das crianças.

E - PESQUISA NO MEIO PARA EFECTUAR UMA VISITA EM QUE PUDESSEM VER UMA GALINHA A CHOCAR OVOS

Exemplo 3: A GALINHA RUIVA (Sarah Cone Bryant. Lisboa: Edições Despertar)

A - EXPLORAÇÃO DA HISTÓRIA

E: - Onde vivia a galinha ruiva
E: - Por que lhe chamavam “Galinha Ruiva”?
E: - De entre todos os seus vizinhos, havia um que não era seu amigo. Quem era?
E: - Quais eram os três cuidados a Ter com o lobo?
E: - Por que é que o lobo deu pulos de alegria?
E: - Que motivo impediu a galinha de ver o lobo entrar na sua cozinha?
E: - Onde é que o lobo se foi esconder?
E: - Que fez a galinha quando o lobo a tentou agarrar?
E: - O autor desta história comparou o lobo com um brinquedo. Que brinquedo foi?
E: - Por que é que a galinha caíu dentro do saco?
E: - Que fez o lobo de seguida?
E: - Qual foi a ideia que a galinha teve para se libertar?
E: - Por que razão parou o lobo na berma da estrada?
E: - Que fez a galinha nessa altura?
E: - Qual foi o final desta história?
E: - De que parte da história gostaram mais?

Explicar as frases

E: - ESTAVA MORTO POR COMÊ-LA
E: - O LOBO CORREU COMO UMA SETA
E: - FECHOU-SE A SETE CHAVES

Palavra nova (pesquisa no dicionário)

C: TRANCADA

Construir frases com a palavra nova

C: - A MENINA ESTÁ TRANCADA NO QUATRO
C: - A PORTA ESTÁ TRANCADA

B - REFLEXÃO SOBRE A LÍNGUA

Segmentar frases em palavras

E: - O LOBO CORREU COMO UMA SETA.
E: - O LOBO ERA MANHOSO.

Segmentar palavras em sílabas

E: CALDEIRÃO SACO PIÃO LOBO

Descobrir palavras começadas por /ch/ como Chave

C: CHAMINÉ CHAMAR CHAPÉU CHUTAR

Omitir os sons iniciais

E: Se em fffoca não disser o /f/, o que é que fica? Procedeu-se de igual modo para as palavras Vela e Sofia.
FFFOCA............................./OCA/
VVVELA.........................../ELA
SSSOFIA.........................../OFIA
Nota: Algumas crianças tiveram dificuldades nesta tarefa, omitindo as sílabas iniciais.

Construção de plurais

E: PIÃO SACO CALDEIRÃO MÃE

Segmentar palavras em sílabas e contar o número de sílabas

E: TRANCADA CHAVE MÃE

Descobrir a palavras substituída

E: - A MENINA ESTÁ TRANCADA NO QUARTO.
E: - A MENINA ESTÁ SENTADA NO QUARTO.

C - RECONTO DA HISTÓRIA
A galinha pôs o fogo a arder, depois fechou a porta à chave. Depois o fogo estava quase a apagar e a galinha ruiva foi buscar lenha e deixou a porta aberta. Depois a raposa encontrou a porta aberta e escondeu-se atrás de uma cortina.
A galinha entrou e o lobo estava lá e a galinha fugiu para cima do armário. Depois a galinha pôs-se a olhar para o saco e caíu abaixo do armário. O raposo levou a galinha no saco, mas a galinha cortou o saco e pôs uma pedra dentro do saco. Depois disse à mãe:
-Põe água no caldeirão.
Ela pôs e depois saíu uma pedra dentro do saco e queimou as duas.
A galinha foi para casa e fechou as portas.

D - ILUSTRAÇÃO DA HISTÓRIA


Exemplo 4: O HOMEM ALTO E A MULHER BAIXINHA (Luísa Ducla Soares. Lisboa: Livros Horizonte)

A - EXPLORAÇÃO DA HISTÓRIA

E: - Gostaram muito ou pouco da história? Porquê?
E: - Conhecem alguém assim alto, como o senhor deste história?
E: - Ele tinha vantagens em relação às outras pessoas?
E: - Gostavam de dar um nome ao senhor alto? (Qual?) E à mulher baixinha?
E: - Qual era a profissão do senhor alto? E da mulher baixinha?
E: - Havia alguma razão especial para eles terem aquelas profissões?
E: - De que meios tinha de se socorrer o alfaiate quando o senhor alto queria fazer fatos?
E: - Em que loja a senhora baixinha comprava a roupa?
E: - Como se conheceram estas duas personagens da história?
E: - Que parte da história acharam mais divertida?

Explicar as frases

E: - ERA UM BICHO DE ESTIMAÇÃO.
E: - O DOENTE FICOU ESPANTADO.

Palavra nova (pesquisa no dicionário)

C: ALFAIATE
Nota: Como se previa, a profissão de alfaiate era desconhecida das crianças. A partir deste tema, fez-se a ponte com as profissões dos pais das crianças. Verificou-se que a grande maioria das crianças apesar de saber qual o trabalho dos pais, não sabia no entanto nomear a profissão. Como “trabalho de casa”, cada criança levou um rectângulo de cartolina onde os pais escreveriam as suas profissões e as dos avós. Cada criança procuraria também saber algo mais para além do nome, sobre as profissões que fossem registadas. Era uma maneira fácil de ficarmos a saber mais profissões.

Construir frases com a palavra nova

C: - O ALFAIATE FAZ ROUPA DE HOMEM

B - REFLEXÃO SOBRE A LÍNGUA

Segmentação de palavras em sílabas

E: ESTIMAÇÃO HOMEM MULHER MÃO

Descobrir palavras começadas como... alfaiate

C: ALMOFADA ALFACE ALTO

Construção de plurais

E: AVIÃO PÉ ÁGUA HOMEM

Formação de femininos

E: HOMEM CAVALO COZINHEIRO LEÃO ALTO MENINO

Acrescentar segmentos fonéticos no início de palavras

E: Se em osa juntar o som /r/ no início, o que é que fica?
E: /OSA/........... + /r/................./ROSA/
E: /UA/..............+ /r/................/RUA/
E: /IR/............... + /r/................/RIR/

C - RECONTO DA HISTÓRIA
Era um homem tão grande tão grande que as pessoas não sabiam se ele andava de chapéu ou não. A senhora era tão pequenina tão pequenina que era doutora dos pés. A profissão do homem era a de polícia dos aviões. Como lhe doía um pé foi à médica. Veio a senhora e o homem reparou que ela era tão baixinha que pegou nela, e viu que ela tinha pintinhas no nariz como ele, e tinha cabelo castanho como ele.

D - À DESCOBERTA DE PROFISSÕES
Os pais colaboraram bastante bem no “trabalho de casa”. Algumas crianças fizeram questão em indicar onde estava escrito o quê, tipo “aqui diz serralheiro, e aqui diz auxiliar de educação”. Cada criança falou um pouco das profissões dos seus familiares. As profissões que mais seduziram as crianças, quer pelo desconhecimento, quer pela sonoridade do nome, foram: Calafate (que até rimava com Alfaiate), Tanoeiro e Ladrilhador.
Relativamente à profissão de Tanoeiro, muitas crianças manifestaram surpresa pelo facto de pipas e tonéis serem ainda hoje, feitas artesanalmente. Pensou-se que seria interessante uma visita a uma oficina de tanoaria. Crianças e educadora tentariam investigar onde poderia haver uma perto do Jardim de Infância.

E - VISITA A UMA TANOARIA
Preparou-se a visita, registaram-se algumas das perguntas que poderiam ser feitas. Verificou-se alguma sedução pelo manuseamento de ferramentas. Surgiu a ideia de termos algumas “ferramentas a sério” no Jardim de Infância. Cerca de uma semana mais tarde, houve a possibilidade de ver um filme onde as diferentes fases da construção de uma pipa se viam de forma excelente.

Exemplo 5: O GALO E A GALINHA Adap. Alice Vieira, in Eu bem vi nascer o sol. Lisboa:Círculo de Leitores

A – EXPLORAÇÃO DA HISTÓRIA

E: - Qual é o título desta história?
E: - De que trata esta história?
E: - Quem é que o galo e a galinha queriam casar?
E: - E com quem é que a filha do galo e da galinha ia casar?
E: - Quem se lembra de ter ido a um casamento?
E: - O que é um casamento?
E: - Convite às crianças para relatarem casamentos a que tenham assistido.
E: - Parece que faltava muita coisa para o casamento que ia acontecer na nossa história. Lembram-se do que faltava?
Nota: na exploração da história constatou-se que uma criança percebera avental em vez de enxoval: “A aranha com os fios ia fazer um avental para dar de prenda”.

Palavra nova (pesquisa no dicionário)

C: ENXOVAL
(Algumas interpretações das crianças: “Enxoval para os noivos”; “enxoval para os bebés que vão nascer”)
Formar frases com a palavra nova
C: - A AMÃE VAI DAR UM ENXOVAL AO BÉBÉ
C: - NO MEU ENXOVAL TINHA MUITAS FRALDAS DE BONECOS

Visualização da escrita
Foram registadas a palavra nova e as frases como habitualmente.
Nomear peças de roupa de um enxoval de bebé

C: CASACOS VESTIDOS FRALDAS CARAPINS CAMA
CARRINHO CHUPETA BIBERON

Explicar a frase

E: - DIZIA A ARANHA, LÁ DO ARANHAL, QUE ESTAVA PRONTA PARA DAR O ENXOVAL
Nota: Interpretação das crianças: casa das aranhas, sítio onde há muitas aranhas. Solicitaram a procura no dicionário. A palavra aranhal não existe no dicionário. Mas a palavra aranheiro (buraco onde se metem as aranhas) existe. Concluiu-se que os escritores (e as crianças) podem inventar palavras, e a escritora inventou a palavra aranhal. Analisou-se como conseguimos descobrir que aranhal era um sítio com muitas aranhas?

B – REFLEXÃO SOBRE A LÍNGUA

Descobrir palavras que acabem da mesma maneira que aranhal

C: PINHAL ESTENDAL LAMAÇAL CAL SAL PARDAL POSTAL CARNAVAL “MARALHAL”

Descobrir palavras que comecem por ...al

C: ALDRABAR ALGODÃO ALTOCARRO ALTO SALTO
Notas: Chamou-se a atenção das crianças para as diferenças entre al e au. Registe-se também o comentário de uma criança : “mas está um bocadinho bem, porque um autocarro é um carro alto”. A partir deste comentário houve oportunidade para trabalhar a arbitrariedade dos nomes, verificando-se que muitos dos nomes não remetem para as propriedades dos referentes.
Quanto à palavra salto verificou-se que esta palavra possuía o som al mas não começava por este som, tendo um som antes deste.

Prolongamento do som SSS

E: SSSSARA SSSSOFIA SSSSAL

Juntar o som /s/ às palavras encontradas começadas por al.

C: SSSS... + ALDRABAR = SALDRABAR
C: SSSS... + ALGODÃO = SALGODÃO
C: SSSS... + ALTO = SALTO

Inventar uma palavra maluca como aranhal

E: Aranhal é um sítio onde há muitas aranhas.

Vamos inventar uma palavra para um sítio onde haja muitos .....(o que vocês quiserem). Vão pensar em casa e amanhã dizem-me.

Análise das palavras malucas trazidas de casa

C: Vinhal - um sítio onde há muito vinho
C: “-Na minha rua há um buracal...” (muitos buracos)
Nota: A Educadora prometeu levar um livro com uns versos em que a autora brincava com as palavras (“Casamento” e “A força das palavras” da obra Poemas da mentira e da Verdade de Luisa Ducla Soares - Livros Horizonte). Depois de lidos estes poemas, procedemos à exploração das palavras da mesma família.

Da análise de palavras da mesma família fez-se a ponte para as frutas e os nomes das suas árvores.
Fez-se a ponte com a palavra vinhal para:

VINHO - UVAS - VIDEIRAS
OLIVEIRA-Azeitonas PESSEGUEIRO-Pêssegos LIMOEIRO-Limões CEREJEIRA-cerejas NOGUEIRA-nozes

Notas: Exploração da polissemia. Nogueira = árvore que dá nozes, apelido de uma criança, nome de uma freguesia da cidade onde se situava o Jardim de Infância.No dia seguinte foi pedido para ler novamente a mesma história. Depois de lida, uma criança propôs o jogo de descobrir palavras começadas por... ga, como gaiteiro.

Descoberta de palavras começadas como... Gaiteiro

C: GAITA GALO GATA GALINHA

Nota: Uma criança perguntou se não havia histórias de letras. A Educadora disse que não se lembrava de nenhuma, mas que poderiam, eles próprias, fazer uma história com palavras começadas por G.

Inventar uma história com palavras que comecem com o som /g/.

Educadora: O Golfinho tinha uma Gravata que estava dentro da Gaveta....
Crianças: E a Gata passou, e abriu a Gaveta e tirou a Gravata (Giovanni). E depois o Gato queria saber onde estava a Gravata mas não conseguia ver! (Ricardo). E o Galo queria a Gravata e procurou-a por todo o lado e tirou-a ao Gato! (Miguel). A Galinha ajudou o Golfinho a procurar a Gaita! (Sandra).

C – DRAMATIZAÇÃO DA HISTÓRIA
O grupo de crianças decorou os versos e foi com grande entusiasmo que a história foi dramatizada.

Exemplo 6: O SENHOR FORTE (Luísa Ducla Soares. Lisboa: Livros Horizonte)

A - EXPLORAÇÃO DA HISTÓRIA
Após a leitura da história uma criança comentou que “era uma história muito maluca”. Propôs-se ao grupo de crianças fazermos também uma história assim maluca. Logo uma criança propôs que se fizesse uma história do “Senhor Fraquinho”.

A ideia entusiasmou as crianças, e, a partir de cada pedacinho de texto lido, propusemos a criação do nosso próprio texto.

Eis a história criada:

Original* Texto do grupo

O senhor Forte nasceu tão forte que, logo no berço, se entretinha a brincar com a tranca da porta. O senhor Fraquinho, nasceu tão fraquinho tão fraquinho, que nem conseguia mamar.

Quando ia passear ao jardim, era ele que levava a mãe ao colo. Não podia ir passear ao jardim, pois podia ser levado pelo vento.

Na escola foi expulso da equipa de futebol desde deu um chuto tão forte que a bola atravessou o mar e foi cair na coroa da rainha de Inglaterra. Não podia ir para o infantário nem podia jogar à bola porque não tinha forças para nada.

Em casa, a sua força fazia um jeitão.

Abria latas de sardinhas à unha.

Espetava pregos a piparote. Em casa, não podiam usar o aspirador, porque ele podia ser aspirado.
Se o carro parava por falta de gasolina, carregava com ele até à estação de serviço. Se o carro parava por falta de gasolina, tinham de chamar um taxi, porque ele era tão fraquinho, tão fraquinho que não conseguia nem andar.

Quando fugiu o elefante do jardim zoológico, ofereceu-se para o apanhar.

Mas puxou-lhe pela tromba com tanta força... que ficou com ele na mão. Quando um elefante fugiu do Jardim Zoológico, teve de se fechar num armário. Se o elefante espirrava mandava-o até à lua!
Se espirrava no quarto, a mobília ia toda pelo ar.

Se tossia na rua, os prédios abanavam e as pessoas tinham de se agarrar aos candeeiros para não levantarem voo. Não tinha forças nem para espirrar nem para tossir, por isso andava sempre com o nariz sujo!

Se havia uma avaria nos comboios, prendia à cintura dez carruagens e largava a correr de Lisboa até ao Porto. Quando faltava a luz, ficava cheio de medo, mas não tinha forças para gritar.
Em vez de apanhar flores no campo, apanhava árvores.

E como as árvores não cabiam em casa, plantava-as em frente da janela.

Tantas plantou, que passou a viver numa floresta. Não conseguia apanhar flores, porque não tinha força para as cortar. Por isso só apanhava moscas e joaninhas. Mas as moscas faziam tanto vento a voar todas ao mesmo tempo, que o atiravam ao chão.

Como Portugal não tem dinheiro para lançar foguetões como os países ricos, mas quer chegar à Lua, encarregou o senhor Forte de atirar, à mão, o primeiro foguetão português.

Esperamos que não erre a pontaria. Como Portugal também quer chegar à Lua, em vez de um foguetão o senhor Fraquinho lembrou-se de mandar as moscas todas que o incomodavam passear até lá, para nos virem depois ensinar o caminho.

* Reprodução gentilmente autorizada pela autora.

Nota: Foi efectuado o registo da história inventada pelas crianças. Partindo das ideias das crianças, a educadora ia compondo o texto. As crianças mostraram muito entusiasmo com esta actividade, apesar e não se ter mostrado uma tarefa fácil. Verificava-se por vezes que as crianças ficavam muito presas ao sentido do texto original, mas tentando adaptá-lo com situações opostas, o que nem sempre era viável.
O registo da história foi efectuado sob a forma de apontamentos. As crianças perguntavam a razão de não escrever num papel grande como era costume, e com letras grandes. A educadora disse que estava a escrever a história assim para lhes fazer uma surpresa.

B - FAZER UM LIVRO

Dois dias após a criação desta história, a educadora apresentou às crianças folhas A4 divididas a meio no sentido horizontal. Do lado esquerdo estava um pedacinho da história que eles tinham contado, escrita a computador, e o lado direito foi deixado em branco para que, em grupo, as crianças ilustrassem o pedacinho da história, à semelhança da livro original que tinha sido lido. Recolhidas as ilustrações, numeraram-se as páginas, e fez-se uma capa para o livro, em cartolina. A pedido das crianças a educadora levou a capa para casa onde escreveu, a computador, o nome da história, e a autoria da mesma. Só a escrita a computador (imprensa) dava àquelas folhas (segundo as crianças), o estatuto de livro.

Nota: Aproveitou-se a oportunidade para chamar a atenção que os livros podem ser escritos com vários tipos de letra. A Educadora prometeu levar livros escritos com letra manuscrita (“As infelicidades de Sofia” e “As memórias de um burro” - Edições Asa, com texto em letra manuscrita).