Melhor falar para melhor leer | |
1.
Introdução
Em Portugal a educação pré-esscolar não é obrigatória, pelo que não há um currículo para o ensino pré-escolar. Todavia, em 1997 foi publicado um documento importante - as Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar – que pretende constituir uma base de apoio para a prática pedagógica dos Educadores de Infância. Neste documento assume-se que o Educador de Infância é o gestor do currículo, no âmbito do projecto educativo do estabelecimento de ensino. Neste documento elencam-se três áreas de conteúdo, a ter em conta pelos Educadores de Infância, áreas de conteúdo que “constituem as referências gerais a considerar no planeamento e avaliação das situações e oportunidades de aprendizagem”: 1) Área de Formação Pessoal e Social; Área de Expressão/Comunicação; Área de Conhecimento do Mundo. As diferentes áreas deverão ser abordadas de forma globalizante e integrada, pelo que a opção de “entrada” por uma das áreas não impede que se trabalhem todas as outras. A área de conteúdo Expressão/Comunicação compreende três domínios: a) domínio das expressões com diferentes vertentes – expressão dramática, plástica e musical; b) domínio da linguagem e abordagem à escrita; c) domínio da matemática. Actualmente considera-se que o desenvolvimento linguístico é fundamental para o crescimento cognitivo em geral, e em particular para o sucesso escolar, pelo que é considerado como “pedra basilar no crescimento do sujeito” (Sim-Sim, Duarte & Ferraz, 1997, p.36) do qual dependem as aprendizgens futuras. Como tivemos já oportunidade de sublinhar (Viana, 2002) a estimulação e o desenvolvimento do interesse pela comunicação escrita deverá ter como ponto de partida o interesse pela comunicação oral que a antecede e prepara. Daí que na Educação Pré-Escolar deva ser estimulado o levantamento de hipóteses sobre as relações entre o oral e o escrito permitindo, por exemplo, que a criança descubra o que é a leitura, para que serve, o que pode ser lido, que a escrita codifica a fala, etc., etc. A investigação recente tem vindo a demonstrar que o nível de desenvolvimento linguístico das crianças está directamente relacionado com a quntidade e a qualidade das interacções vividas nos diferentes contextos de vida. São inúmeros os estudos que confirmam que o domínio de uma língua na sua vertente oral influencia o processo de aprendizagem da leitura e da escrita 2. De pré-requisitos para aprender a ler e a escrever a competências facilitadoras Durante vários anos ouvimos falar em pré-requisitos ou maturidade para a aprendizagem da leitura (Baroja et al., 1985; Molina, 1981; Condemarin et al., 1985 entre outros). Estes pré-requisitos, variáveis de autor para autor, eram constituídos essencialmente por competências perceptivas e motoras (lateralidade, esquema corporal, discriminação e memória visual, diferenciação perceptiva, coordenação visuo-motora, etc., etc.). A formação dos educadores de infância dava ênfase à promoção do desenvolvimento destas capacidades. A importância do domínio das actividades neuro-perceptivas e motoras como determinantes para o acesso à leitura começou a ser questionada a partir dos anos 70 (do século XX) por inúmeras investigações e estudos conjuntos de várias ciências (linguística, pedagogia, psicologia). A evidência experimental das últimas décadas (Vellutino, 1977, 1987, Vellutino et al., 1972, 1996; Morais, 1994 entre outros) tem mostrado que os bons e os maus leitores não se diferenciam muito quanto ao domínio de competências de cariz perceptivo e motor, e que a maior facilidade no acesso à leitura e à escrita deriva, essencialmente, do maior ou menor domínio que as crianças têm da linguagem oral. O modelo clássico (neuro-perceptivo-motor) começou, então, a ser questionado. O principal argumento dos defensores do novo modelo (chamado de psicolinguístico) é baseado na premissa de que para dominar a linguagem escrita é preciso dominar a linguagem oral. A atenção aos comportamentos emergentes de leitura e a investigação sobre as dificuldades de aprendizagem na leitura vieram mostrar que as experiências de linguagem na vida das crianças compreendem a leitura, a escrita, a fala e a audição como um todo unificado, e que a literacia envolve todas as capacidades comunicativas. Falar, ouvir, ler e escrever, na maioria dos casos desenvolvem-se de uma forma concorrente. Face aos dados da investigação o programa a elaborar teria como objectivo geral subjacente a estimulação e o desenvolvimento do interesse da criança pela comunicação oral. Premissas que tivemos em conta - Demonstrar que não seria
necessário uma educação infantil "escolarizante"
para se promover o desenvolvimento de competências (e apetências)
para a leitura e para a escrita.
- Ter em conta a formação de base dos educadores e os seus estilos pessoais de organização das actividades, para que estes continuassem muito autênticos na sua relação com as crianças. - Não haver uma "hora do programa", mas pugnar para que todas as actividades fossem "minadas" pelos objectivos do programa. 3. O Programa
Racional Aprende-se a falar falando e ouvindo falar. No entanto, o desenvolvimento da linguagem oral depende também do interesse em comunicar. Este interesse terá de ser alimentado por experiências de vida geradoras de vontade de comunicar. Por outro lado, aprende-se a ler ouvindo ler e lendo. José Morais (1994) interroga-nos: como podemos abordar a leitura se a criança ainda não compreendeu que tipo de objecto é o livro, e que o texto transcreve a linguagem? Como podemos ter o desejo de ler se não sabemos o que é a leitura? Isto é, se queremos despertar o desejo de ler de forma autónoma, temos que ler para e com as crianças. O primeiro passo será, portanto, ouvir ler. Morais (1994) considera que a leitura de histórias para as crianças desempenha importantes funções ao nível cognitivo, linguístico e afectivo. Ao nível cognitivo contribui para i) abrir janelas sobre conhecimentos que a conversa do dia a dia não consegue comunicar; ii) estabelecer associações claras entre a experiência dos outros e a sua; iii) que quem ouve aprenda, quer pela estrutura da história, quer pelas questões e comentários que ela sugere, a interpretar melhor os factos e os actos, a organizar melhor e a melhor reter a informação, e a elaborar melhor os cenários e esquemas mentais (Morais, 1994, p.180). Ao nível linguístico este autor considera que permite clarificar um conjunto muito variado de relações entre a linguagem escrita e a linguagem falada, tais como: i) o sentido da leitura; ii) as fronteiras entre as palavras; iii) a relação entre o comprimento das palavras faladas e das palavras escritas; iv) a recorrência das letras e dos sons; v) as correspondências letra/som; v) as marcas de pontuação etc. (idem, p. 180). Esta escuta permite à criança, para além de aumentar e estruturar o seu repertório de palavras, familiarizar-se com outras estruturas de frases e de textos. Muitas palavras e muitas estruturas sintácticas (voz passiva, inversão do sujeito e verbo por exemplo), bem como certas regras de coesão do discurso, aparecem com uma frequência muito baixa na linguagem oral, pelo que a criança tem poucas possibilidades de contactar com elas a não ser pela via da leitura. Ao escutar histórias, de uma forma lúdica a criança aprende, por exemplo, a definir objectivos e estratégias de compreensão, a organizar sequencialmente o tempo e o espaço, a parafrasear e a compreender ou a utilizar figuras de estilo e de sintaxe. Estas capacidades ser-lhe-ão particularmente úteis principalmente depois dos dois primeiros anos de escolaridade, quando aumenta a complexidade dos textos que lhe serão apresentados na escola. Os conhecimentos linguísticos adquiridos ao longo da audição de uma história fornecem à criança uma mais-valia importante, quer para poder lidar com a progressiva complexidade dos textos com que vai sendo confrontada, quer para a escrita dos seus próprios textos. Ao nível afectivo, Morais (1994) considera que a leitura de histórias em voz alta para a criança lhe permite descobrir o universo da leitura pela voz, plena de entoação e de significado, mediada através das pessoas em quem confia, de quem gosta e com quem se identifica. Esta actividade é, para este autor, a grande porta para dar gosto às palavras e ao conhecimento. Esta relação intensamente afectiva potencializa os ganhos cognitivos e linguísticos. Intuitivamente, o comportamento de muitos pais favorece estes ganhos. Quando estes comentam e explicam as partes mais difíceis do texto ou quando se asseguram de que as crianças conhecem as palavras utilizadas, estão a promover o desenvolvimento linguístico das crianças e a desenvolver o desejo de “ler”sozinho Assim, a actividade de leitura de histórias foi adoptada como o "pivot" de todo o programa, tanto mais que consideramos que a leitura de histórias em voz alta pode, e deve, fazer parte integrante de qualquer currículo pré-escolar. No entanto, para permitir uma relação afectiva e próxima com as crianças, a leitura deverá fazer-se em pequeno grupo. A leitura para um grupo pequeno permite interacções e formas de partilha diferenciadas das que se geram numa relação de mãe/pai com o filho. Por outro lado, se sabemos que o sucesso na aprendizagem da leitura está fortemente relacionado com a estimulação fornecida pela família, então a leitura de histórias no Jardim de Infância pode ter um papel decisivo ao proporcionar às crianças cujos pais nunca lêem, oportunidades únicas de contacto com a leitura e a escrita. Chamamos no entanto novamente a atenção para que, apesar de defendermos que a leitura de histórias faça parte integrante de qualquer currículo pré-escolar, não defendemos que estes momentos constituam uma “rotina” no seu sentido depreciativo, pois, utilizando as sábias palavras de Heath (1983), "não é apenas lendo para a criança que se faz a diferença, mas saboreando os livros em conjunto, e reflectindo sobre a sua forma e o seu conteúdo”. Respeitando a planificação e os projectos de cada Jardim de Infância, o estilo pessoal de cada educador e os interesses das crianças, as histórias seriam, como é óbvio, diferentes. Pretendíamos também incentivar o contacto com a família, pelo que as histórias poderiam também ser trazidas (e levadas) pelas crianças. A leitura da história abriria naturalmente o caminho à exploração da mesma, à caracterização das personagens, às perguntas sobre as palavras desconhecidas, à segmentação de palavras e de frases, à descoberta de palavras que rimassem com..., à descoberta de contrários, de plurais, etc.. Na exploração das histórias, pensamos ser importante ter presentes os ensinamentos de Cazden (1968) e de Lentin (1976), utilizando bastantes expansões dos enunciados, isto é, dando continuidade às expressões das crianças expandindo as ideias e não apenas o nível linguístico. Interessava-nos não só “ensinar” linguagem (no sentido estrito de vocabulário/articulação/correcção sintáctica), mas desenvolver o suporte linguístico do pensamento da criança. Pretendíamos também seguir de perto Hobson (1973), no seu trabalho com o Tucson Early Model, tendo em atenção os elementos encontrados nos padrões naturais de interacção adulto/criança, como: i) feed-back correctivo e sumário; ii) elaboração e extensão, alargando a linguagem e as palavras para além do imediato; iii) alargamento do conhecimento, fornecendo informação para além do imediatamente disponível; e iv) reforço. Um dos objectivos presentes em todos os programas de linguagem é o desenvolvimento de um repertório rico em termos linguísticos. É importante que as crianças possuam as palavras adequadas àquilo que sentem ou querem transmitir. Assim, no nosso programa, dedicaríamos um espaço às palavras novas. As palavras consideradas novas seriam inventariadas pelas crianças e escritas pelos educadores. Paralelamente, as crianças seriam convidadas a construírem frases com a(s) nova(s) palavra(s). Com esta actividade pretendia-se, além de ajudar a criança na associação de palavras a conceitos e na sua memorização, na sua introdução no repertório linguístico ou na re-atenção para o(s) seu(s) significado(s), ajudar também a criança a descobrir a correspondência entre o oral e o escrito, e, paralelamente, proporcionar-lhe contacto com diferentes tipos de escrita, já que seria utilizada a letra de imprensa e a letra manuscrita. A expressividade linguística, e muitas vezes a poeticidade, são atingidas através do jogo. Porquê não o fazermos nós também? O brincar com as palavras e o humor foram por nós considerados estratégias discursivas importantes para a adesão das crianças. Os estudos sobre as dificuldades encontradas pelas crianças ao nível da leitura e da escrita (Alegria, Pignot & Morais, 1982; Alegria, 1985; Clément, 1987) apontam para a importância de a criança, para além de ter de "saber falar" para ser iniciada à leitura e escrita formais, ser capaz de algum exercício de reflexão sobre a linguagem. Daí que, no nosso programa, se contemplassem actividades que ajudassem a criança a tornar-se uma "analista de linguagem", propondo exercícios de segmentação (de palavras e frases), e descoberta de rimas ou de palavras começadas por determinada sílaba ou fonema. Salientamos que estes exercícios seriam propostos numa relação de continuidade com a história lida, já que se utilizariam palavras que nela tinham aparecido. Trata-se, portanto, de uma análise que não surge desenquadrada de um contexto de comunicação mais geral. A capacidade de elaborar narrativas constrói-se na vivência quotidiana. Pode haver habilidade descritiva e não habilidade narrativa (onde é solicitada a re-elaboração de situações). Ao relatar uma história (ou uma vivência), a criança evoca lembranças/imagens e transforma-as em conteúdo linguístico. O conto e o reconto (registados) desenvolvem e implicam grandes habilidades linguísticas. Ao introduzirmos o item "vamos ser escritores", pretendíamos ajudar a criança a descobrir como a escrita funciona, e as relações entre a oralidade e a escrita. Se as nossas normas de falar/ouvir são determinadas pelos modelos que temos de falantes/ouvintes, as nossas normas de ler/escrever são, por sua vez, influenciadas pelos modelos que temos de leitores/produtores de textos. Um dos problemas mais comummente encontrados pelas crianças na aquisição da escrita é precisamente o não conseguirem desligar-se do padrão oral-auditivo da linguagem (Zorzi, 1994). Por outro lado, a leitura dos relatos ou recontos permite compreender o valor da comunicação escrita. "Observar o processo do ditado (a criança dita e a educadora escreve) e reler as histórias dá às crianças a compreensão do que são a leitura e a escrita, e as razões da importância de aprender estas habilidades" (Spodek & Saracho, 1994, p.309). A utilização do livro grande, cuja leitura facilita o apontar com o dedo, permite que a criança facilmente se dê conta da direccionalidade da escrita e da leitura. Queríamos que a criança visse escrever ao mesmo tempo que a educadora ia verbalizando as palavras que escrevia, pois para Adams (1994) "este escrever verbalizando é, para muitas crianças, apenas o que necessitam para construírem a noção de palavra, para entenderem as palavras como unidades linguísticas, competências importantes para aprender a correspondência entre fala e som, para um insight inicial de como a escrita funciona" (p. 338). Por outro lado, ler em voz alta textos em grande formato desenvolve o conceito de leitura e habilidades pró-leitura (tal como a progressão direita/esquerda), ajuda à compreensão das convenções do impresso, dá à criança o sentido da linguagem escrita, desenvolve a discriminação visual e o reconhecimento de letras e palavras (Spodek & Saracho, 1994).Face à falta de livros grandes no nosso mercado optaríamos por fazê-los com o reconto das crianças. A introdução da possibilidade de, pelo menos mensalmente, o grupo de crianças poder usufruir de um "contador de histórias", oriundo do meio familiar das crianças, não pretendia apenas facilitar a ligação Jardim/Famílias. Queríamos contribuir também para uma maior sensibilização dos pais ao desenvolvimento da linguagem e à consciencialização da sua importância neste desenvolvimento (apesar de as crianças destes jardins passarem cerca de 9-10 horas na instituição). Quando pensávamos na elaboração deste programa, sentimo-nos tentados a dar mais ênfase à formação de pais, incluindo, à semelhança de Morrow e colaboradores (1995), formação em leitura de histórias interactiva e empréstimo de livros para leitura familiar. Nas primeiras aplicações limitámos o nosso trabalho ao meio escolar, esperando (o que acabou por acontecer) que o desafio às famílias fosse feito pelas próprias crianças. Em aplicações e expansões posteriores do programa foram progressivamente sendo introduzidas actividades mais direccionadas aos pais, como um caderno para o registo de mensagens entre o Jardim de Infância e a família (Pinto, 2002), ou formação de pais para leitura dirigida a crianças (Gamelas et al., 2003) Objectivos
Para além do objectivo central de promover o desenvolvimento da linguagem e de competências metalinguísticas nos grupos de crianças trabalhados, tínhamos em mente ainda os seguintes objectivos: i) capacitar os Educadores de Infância dos jardins envolvidos no projecto para uma análise mais objectiva e mais abrangente da linguagem das crianças, e para integrar esta análise numa avaliação mais compreensiva das crianças com quem trabalham; ii) incentivar a identificação precoce de dificuldades ao nível do domínio da linguagem oral; iii) ajudar os Educadores de Infância a desenvolverem estratégias e actividades mais sistemáticas de exploração e desenvolvimento da linguagem; e, iv) sensibilizar os pais para a importância da linguagem no processo de desenvolvimento dos seus filhos. Organização O Programa de Desenvolvimento de Competências Linguísticas, a que chamámos “Melhor Falar para Melhor Ler”, foi desenhado de forma a poder ser integrado na planificação das actividades de cada grupo de crianças. Paralelamente, procedeu-se também à análise dos recursos materiais de que disporíamos, nomeadamente quanto aos livros existentes na Biblioteca Municipal e nas bibliotecas particulares de cada Educador. Procedeu-se, também, a uma reorganização do espaço das salas, libertando paredes onde pudessem ser afixados os diferentes materiais que iriam ser produzidos, bem como o jornal. Para além do Guião do Programa, transcrito no Quadro 1, sugeriram-se alguns registos adicionais que nos pudessem permitir uma avaliação mais fina da participação de cada criança e do evoluir próprio programa. Cedo nos apercebemos que esta programação não poderia ser diária, já que a riqueza de muitos textos constituía um manancial enorme de exploração, pelo que um só texto poderia servir como base de trabalho para várias áreas de conteúdo durante vários dias. ![]() ![]() Os materiais a utilizar
foram constituídos essencialmente por livros (histórias,
poesia, contos rimados), jornais e revistas. Incluiu-se ainda um dicionário,
papel A3 e marcadores grossos. b) as diferenças estatisticamente
significativas registadas na comparação entre grupos de
crianças submetidos ao programa e grupos de crianças não
submetidas ao programa; Actualmente completamos a avaliação
das crianças com o Teste de Linguagem Técnica da Leitura
(Martins et al., 1997) por considerarmos que esta prova nos faculta bons
indicadores do domínio dos códigos da escrita por parte
das crianças. Esta prova, constituída por 30 itens (mais
dois de treino) tem os seguintes objectivos: i) determinar o conhecimento
que a criança tem sobre a ordem e a sequência da escrita
e da leitura; ii) determinar a habilidade da criança para identificar
números, letras, palavras, frases e marcas de pontuação;
iii) determinar a habilidade para segmentar frases e palavras como unidades
linguísticas distintas e compreender termos tais como letra maiúscula,
minúscula, ponto de interrogação. A evolução
dos resultados nesta prova tem apresentado sempre diferenças grandes
e estatísticamente significativas em relação aos
resultados de crianças não submetidas ao programa. - Maior interesse pela mensagem
escrita. Perguntas do tipo "o que diz aqui?", começaram
a ouvir-se frequentemente, e perante um número também cada
vez maior de suportes escritos (placas sinalizadoras, letreiros diversos,
rótulos dos mais diversos produtos, etc.). Esta curiosidade era
também manifestada em casa, tanto nas crianças dos grupos
de 5/6 anos, como nas crianças mais novas (4/5 anos). Várias dúvidas e hesitações nos surgiram aquando do registo dos recontos. Como conciliar o respeito pelo discurso das crianças com um discurso coerente e organizado? Começámos por respeitar o discurso das crianças, mas cedo constatámos que elas não manifestavam grande interesse em utilizar os recontos para posterior leitura, preferindo sempre as histórias originais. Reflectindo sobre o assunto, hipotetizamos que esta rejeição pela utilização dos recontos como “livros”, radicava no facto de a linguagem utilizada não reflectir as características que constatavam (e apreciavam) nos textos de autor. Assim, as educadoras foram-se transformando nas “editoras” das experiências e relatos das crianças. Ao escrever o que elas diziam iam introduzindo de forma menos tímida as marcas de pontuação, organizando as ideias numa sequência discursiva mais coerente, propondo substituições de algumas palavras ou expressões, em suma, intervindo de uma forma mais activa neste discurso para que o produto final se aproximasse das características do registo escrito. Aliás, Alliende e Condemarin (1987, p. 95) consideram que “o acentuar das diferenças entre a expressão oral e a expressão escrita “editada” pelo mestre, ajudará a criança a aumentar a consciência das características do texto impresso”. - Maior facilidade em descobrir
e fazer rimas, porque já mais capazes de decompor as palavras
nos seus constituintes sonoros e de fazer apelo a outras construções.
Um outro aspecto sobre o qual gostaríamos
de deixar uma nota final tem a ver com a preparação prévia
necessária à implementação de programas deste
tipo. Mostrou-se de grande utilidade o facto de se efectuar, para cada
história, uma espécie de guião de exploração,
pois ele permitia dar mais intencionalidade às diferentes propostas
a apresentar às crianças. Este procedimento permitiu às
educadoras uma melhor exploração da história, com
a certeza de que o estilo pessoal de cada uma não interferiria,
de modo negativo, nos aspectos a serem valorizados e, consequentemente,
mais trabalhados. Este tipo de preparação prévia
permitiu, também, estruturar a exploração e fazer
pontes diversas com as vivências das crianças no mundo extra
escolar. Para estas pontes contribuiu também o cruzamento efectuado
com a informação fornecida pelos pais no questionário
que lhes foi endereçado. Referências Adams, M. J. (1994). Beginning to read: thinking and learning about print. Massachusetts: The MIT Press. Alegria, J. (1985). Por un enfoque psicolinguístico del aprendizaje de la lectura y sus dificultades. Infância y Aprendizaje, 29, 79-94. Alegria, J., Pignot, E. & Morais, J. (1982). Phonetic analysis of speech and memory codes in beginning readers. Memory and Cognition, 10, 451-456. Alliende, F. & Condemarin, M. (1987). Leitura: Teoria, avaliação e desenvolvimento. Porto Alegre: Artes Médicas. Almeida, L. & Morais, M. F. (1994). Programa “Promoção Cognitiva”. Barcelos: Didálvi. Baroja, F. F., Paret, A. M.. L. & Riesgo, C. P. (1985). La dislexia: Origen, diagnostico y recuperacion. Madrid: CEPE. Cazden, C. B. (1968). The acquisition of noun and verb inflections. Child Development, 39 (2), 433-448. Clément, M. (1987). Habilidad de análisis fonético y adquisición de la lectura en los sistemas alfabéticos. Infância y Aprendizaje, 37, 11-18. Condemarin, M., Chadwick, W. & Milicic, N. (1985). Madurez escolar: manual de evaluación y desarrollo de las funciones basicas para el aprendizaje escolar. Madrid: CEPE. Gamelas, A. M., Leal, T.; Alves, M. J.; Grego, T. (2003). Contributos para o desenvovlimento da literacia – Clube de Leitura. In Fernanda Viana, Marta Martins & Eduarda Coquet (Coord), Leitura, Literatura Infantil e Ilustração: Investigação e prática docente (pp. 33-41). Braga: Centro de Estudos da Criança da Universidade do Minho. Hobson, A. B.(1973). The natural method at language learning: systematized. Tucson: Arizona Center for Educational Research and Development. Lenneberg, E. (1967). Biological foundations of language. New York: John Wiley. Lentin, L. (1976). A criança e a linguagem oral. Ensinar a falar: Onde? Quando? Como? Lisboa: Livros Horizonte. Martins, M. A.M Mata, L.; Peixoto, F.; Monteiro, V. (1997 Eds.).Teste
de Linguagem Técnica da Leitura. Lisboa: ISPA - Instituto Superior
de Psicologia Aplicada. Molina, S. (1981). Enseñanza y aprendizaje de la lectura. Madrid: CEPE. Morais, J. (1994). L’Art de Lire. Paris: Editions Odile Jacob. Morrow, L., Tracey, D. H. & Maxwell, C. M. (1995, Eds.). A Survey of family literacy in the United States. Newark, Delaware: International Reading Association. Pinto, F. M. R. P. (2002). A gestão curricular e o desenvolvimento de competências (meta)linguísticas na criança de 4 e 5 anos. Universidade de Aveiro: Dissertação de Mestrado em Gestão Curricular (não publicada). Sim-Sim, I.; Duarte, I. & Ferraz, M. J. (1997). A língua materna na Educação Básica. Reflexão participada sobre os currículos do Ensino Básico. Ministério da Educação/Departamento de Educação Básica. Spodek, B.; Saracho, O. N. (1994). Right from the start: teaching children ages three to eight. Massachusetts: Paramount Publishing. Vellutino, F. (1977). Alternative conceptualizations of dyslexia: an evidence in support of a verbal deficit hypothesis. Harvard Educational Review, 47, (334-354). Vellutino. F. (1987). Dyslexia. Scientific American, 256 (3), 34-41. Vellutino, F. R., Steger, J. A. & Kandel, G. (1972). Reading disability: an investigation of the perceptual deficit hypothesis. Cortex, 8 (106-118). Vellutino, F. R., Scanlon , D. M., Pratt, A., Chen, R. & Denckla, M. B. (1996). Cognitive profiles of difficult to remediate and readily remediated poor readers: early intervention as a vehicle for distinguishing between cognitive and experential deficits as basic causes of specific reading disability. Journal of Eduactional Psychology, 88 (4), 601-638. Viana, F. L. (2001). Melhor Falar para Melhor Ler: um programa de desenvolvimento de competências linguísticas (4-6 anos). Braga: Centro de Estudos da Criança da Universidade do Minho Viana, F. L. (2002). Da Linguagem Oral à Leitura: construção e validação do Teste de Identificação de Competências Linguísticas. Lisboa: Fundação para a Ciência e Tecnologia/Fundação Calouste Gulbenkian. Viana, F. L. P. (2004). T.I.C.L. - Teste de Identificação de Competências Linguísticas. V. N. de Gaia: Edipsico Ld. Zorzi, J. L. (1994). Dificuldades na Leitura e Escrita: Contribuições da Fonoaudiologia. Revista Psicopedagogia 13 (29): 15-23. ANEXO - Exemplos de actividades Exemplo 1: O RATO DA CIDADE E O RATO DO CAMPO (Adap. de Eric Kincaid. Porto: Edições ASA) A - EXPLORAÇÃO DA HISTÓRIA E: - Qual o título da história? Explicar a frase E: -A CASINHA ERA MUITO ACOLHEDORA Selecção de uma palavra “nova” por parte das crianças C: CONFORTÁVEL (Nota: apesar de ser seleccionada como “nova”, o significado desta palavra era dominado pelas crianças) Construir frases com a palavra C: -O SOFÁ É MUITO CONFORTÁVEL Visualização da escrita A palavra nova foi escrita numa folha de cartão e afixada no placard das palavras novas. As frases foram escritas no quadro. B - REFLEXÃO SOBRE A LÍNGUA Partindo de palavras existentes no texto lido (de formação regular de plurais), a educadora propôs a descoberta de plurais, descoberta esta que foi alargada a outras palavras. De igual modo, e partindo de frases existentes na história lida, mas que foram alteradas em termos da organização dos elementos que as compunham, a educadora propôs a sua correcção. Construção de plurais E: CASA CAMPO RATO RAÍZ FUNIL FELIZ Descobrir palavras começadas por... /ra/ como Rato. C: RAIO RÁDIO Descobrir palavras acabadas em... /ra/ C: GUERRA TERRA TURRA AGARRA PORRA Segmentar palavras em sílabas, contando as sílabas E: RATO AMIGOS CIDADE CASINHA CAMPO Segmentar frases em palavras E: RATO DO CAMPO COME RAÍZES. C - RECONTO DA HISTÓRIA Exemplo 2: PINGU VAI TER UM IRMÃO (Sibille von Flue. Porto: Civilização Editora) A - EXPLORAÇÃO DA HISTÓRIA E: - Quem é o Pingu Explorou-se a “febre” que as aves têm e a importância dessa temperatura especial para o filho se desenvolver dentro do ovo, explicando-se o sentido da palavra “chocar” utilizada pela mãe desta criança. Palavras novas (pesquisa no dicionário) C: PREFERIDA (Algumas interpretações das crianças: “a que se gosta mais mais”; a mais linda”) C: IGLÔ (Algumas interpretações das crianças: “casa dos pingus”; “é douradinhos”) C: IMPACIENTE (Algumas interpretações das crianças: “que não tem paciência”; “uma pessoa que está paciente é uma pessoa quieta”; “é olhar de um lado para o outro”) Construir frases com as palavras novas C: - SABES QUAL É A MINHA CASSETE
PREFERIDA? B – REFLEXÃO SOBRE
A LÍNGUA C: PINTAR PINTAINHO PINGADO PINHAL PINHAS Unir sílabas para formar palavras E: LA + VAR = LAVAR Segmentar a frase em palavras E: - PINGU ESTAVA SENTADO EM CIMA DO OVO Segmentar palavras em sílabas E: PINGU ESTAVA SENTADO CIMA C - ILUSTRAÇÃO DA HISTÓRIA D - RECONTO DA HISTÓRIA E - PESQUISA NO MEIO PARA EFECTUAR UMA VISITA EM QUE PUDESSEM VER UMA GALINHA A CHOCAR OVOS Exemplo 3: A GALINHA RUIVA (Sarah Cone Bryant. Lisboa: Edições Despertar) A - EXPLORAÇÃO DA HISTÓRIA E: - Onde vivia a galinha ruiva Explicar as frases E: - ESTAVA MORTO POR COMÊ-LA Palavra nova (pesquisa no dicionário) C: TRANCADA Construir frases com a palavra nova C: - A MENINA ESTÁ TRANCADA NO QUATRO B - REFLEXÃO SOBRE A LÍNGUA E: - O LOBO CORREU COMO UMA SETA. Segmentar palavras em sílabas E: CALDEIRÃO SACO PIÃO LOBO Descobrir palavras começadas por /ch/ como Chave C: CHAMINÉ CHAMAR CHAPÉU CHUTAR Omitir os sons iniciais E: Se em fffoca não disser o /f/,
o que é que fica? Procedeu-se de igual modo para as palavras Vela
e Sofia. Construção de plurais E: PIÃO SACO CALDEIRÃO MÃE Segmentar palavras em sílabas e contar o número de sílabas E: TRANCADA CHAVE MÃE Descobrir a palavras substituída E: - A MENINA ESTÁ TRANCADA NO QUARTO. C - RECONTO DA HISTÓRIA D - ILUSTRAÇÃO DA HISTÓRIA
A - EXPLORAÇÃO DA HISTÓRIA E: - Gostaram muito ou pouco da história?
Porquê? Explicar as frases E: - ERA UM BICHO DE ESTIMAÇÃO. Palavra nova (pesquisa no dicionário) C: ALFAIATE Construir frases com a palavra nova C: - O ALFAIATE FAZ ROUPA DE HOMEM B - REFLEXÃO SOBRE A LÍNGUA Segmentação de palavras em sílabas E: ESTIMAÇÃO HOMEM MULHER MÃO Descobrir palavras começadas como... alfaiate C: ALMOFADA ALFACE ALTO Construção de plurais E: AVIÃO PÉ ÁGUA HOMEM Formação de femininos E: HOMEM CAVALO COZINHEIRO LEÃO ALTO MENINO Acrescentar segmentos fonéticos no início de palavras E: Se em osa juntar o som /r/ no início,
o que é que fica? C - RECONTO DA HISTÓRIA D - À DESCOBERTA DE PROFISSÕES E - VISITA A UMA TANOARIA Exemplo 5: O GALO E A GALINHA Adap. Alice Vieira, in Eu bem vi nascer o sol. Lisboa:Círculo de Leitores A – EXPLORAÇÃO DA HISTÓRIA E: - Qual é o título desta
história? Palavra nova (pesquisa no dicionário) C: ENXOVAL Visualização da escrita C: CASACOS VESTIDOS FRALDAS CARAPINS CAMA Explicar a frase E: - DIZIA A ARANHA, LÁ DO ARANHAL,
QUE ESTAVA PRONTA PARA DAR O ENXOVAL B – REFLEXÃO SOBRE A LÍNGUA Descobrir palavras que acabem da mesma maneira que aranhal C: PINHAL ESTENDAL LAMAÇAL CAL SAL PARDAL POSTAL CARNAVAL “MARALHAL” Descobrir palavras que comecem por ...al C: ALDRABAR ALGODÃO ALTOCARRO ALTO
SALTO Prolongamento do som SSS E: SSSSARA SSSSOFIA SSSSAL Juntar o som /s/ às palavras encontradas começadas por al. C: SSSS... + ALDRABAR = SALDRABAR Inventar uma palavra maluca como aranhal E: Aranhal é um sítio onde há muitas aranhas. Vamos inventar uma palavra para um sítio onde haja muitos .....(o que vocês quiserem). Vão pensar em casa e amanhã dizem-me. Análise das palavras malucas trazidas de casa C: Vinhal - um sítio onde há
muito vinho Da análise de palavras da mesma família
fez-se a ponte para as frutas e os nomes das suas árvores. VINHO - UVAS - VIDEIRAS Notas: Exploração da polissemia. Nogueira = árvore que dá nozes, apelido de uma criança, nome de uma freguesia da cidade onde se situava o Jardim de Infância.No dia seguinte foi pedido para ler novamente a mesma história. Depois de lida, uma criança propôs o jogo de descobrir palavras começadas por... ga, como gaiteiro. Descoberta de palavras começadas como... Gaiteiro C: GAITA GALO GATA GALINHA Nota: Uma criança perguntou se não havia histórias de letras. A Educadora disse que não se lembrava de nenhuma, mas que poderiam, eles próprias, fazer uma história com palavras começadas por G. Inventar uma história com palavras que comecem com o som /g/. Educadora: O Golfinho tinha uma Gravata
que estava dentro da Gaveta.... C – DRAMATIZAÇÃO
DA HISTÓRIA Exemplo 6: O SENHOR FORTE (Luísa Ducla Soares. Lisboa: Livros Horizonte) A - EXPLORAÇÃO DA
HISTÓRIA A ideia entusiasmou as crianças,
e, a partir de cada pedacinho de texto lido, propusemos a criação
do nosso próprio texto. Nota: Foi efectuado o registo da história
inventada pelas crianças. Partindo das ideias das crianças,
a educadora ia compondo o texto. As crianças mostraram muito entusiasmo
com esta actividade, apesar e não se ter mostrado uma tarefa fácil.
Verificava-se por vezes que as crianças ficavam muito presas ao
sentido do texto original, mas tentando adaptá-lo com situações
opostas, o que nem sempre era viável. B - FAZER UM LIVRO |